sexta-feira, 28 de outubro de 2016

França: o assustador aliciamento de menores pelo Estado Islâmico

[É impressionante e assustador o que o governo francês já identificou no tocante ao aliciamento de menores de  idade franceses pelo Estado Islâmico. Traduzo a seguir textos publicados pelo jornal francês Le Figaro em 23/9/2016. Um deles é o de Christophe Cornevin. O que estiver entre  colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

Segundo as informações obtidas pelo Le Figaro, 1.954 menores foram identificados como radicalizados na França. Esse é um número 121% maior que o obtido em levantamento feito em janeiro deste ano.

Em uma  semana, quatro adolescentes foram apreendidos pela polícia antiterrorismo quando pretendiam entrar  em ação. Teleguiados a partir da  Síria através de mensagens criptografadas cada vez mais sofisticadas, esses jovens fazem parte dos 1.954 menores franceses radicalizados, o que corresponde a 18% do total dos indivíduos identificados por radicalização islâmica a partir de 2014. Entre os 689 franceses atuando em zonas de combate, 17 são menores. Destes, 6 foram mortos.

Segundo o Ministério do Interior, as mocinhas seriam cada vez mais numerosas entre os que sucumbem à influência dos recrutadores do Daech [abreviação árabe para "Estado Islâmico no Iraque e no Levante", uma organização terrorista hoje implantada na Síria e no Iraque, que busca exportar seu sistema de terrorismo para além do Levante (Líbia, Egito, Afeganistão, ...). Originária do braço iraquiano da al-Qaida, se desenvolveu no Iraque a partir de 2006; depois, na Síria, beneficiada pelo caos gerado pela repressão contínua do regime sírio desde  2011.].

Segundo o psiquiatra Patrick Amoyel, essa recrudescência se explica pelo fato de que "há um terreno de radicalização fértil para a adolescência". A partir de 2015, a proteção judiciária à juventude elaborou dois planos de luta contra  o terrorismo que garantiram o acompanhamento controlado de 600 menores. Deles, 34 já foram indiciados e 14 encarcerados.

Geração jihadista

Editorial, por Yves Thréad

Perante a lei, são menores. São crianças. Na realidade, estão prestes a semear o terror. São combatentes da jihad [guerra santa muçulmana]. Seu "sonho" é nosso pesadelo. E são franceses!

Quantos são? É assustador e inquietante. Seu número dobrou em nove meses no território nacional, onde não estão longe de chegar hoje a dois mil. Mais de quatrocentos outros vivem em zonas de guerra no Oriente Médio, para onde foram sozinhos, em grupo ou com seus pais. Alguns nasceram até sob o estrondo das armas, tendo como única nacionalidade a de serem futuras e potenciais bombas humanas. Receia-se o retorno de uns e a chegada de outros.

Uma geração de cadetes do islamismo -- meninos/jovens, mas  também cada vez mais meninas/moças -- está a caminho, em vias de se organizar. Muitos deles são convertidos, e todos não são nascidos em famílias fanáticas. Mas  todos são filhos da Internet, o canal de sua radicalização onde pregadores do Estado Islâmico e "imãs Google" fazem uma lavagem em seus cérebros. De um dia para outro. seus  comportamentos, seus hábitos e seus relacionamentos mudam até o momento em que soa o apelo para passar à ação. Quatro adolescentes, de 15 anos, foram recentemente interpelados na região parisiense pouco antes de fazerem algo pior.

O que fazer? Como detetar esses jovens, seguí-los uma vez identificados e evitar que o contágio se propague? O arsenal tradicional de medidas da justiça de menores está, seguramente, ultrapassada. Os meios de atuação dos serviços de informação e rastreamento nas redes sociais foram reforçados. Mas a amplitude da onda é tal, que as respostas são difíceis de serem ajustadas ou são inadequadas.

Face a esse  flagelo, a  retomada do controle de nosso sistema escolar se mostra urgente, distante das reformas demagógicas que foram introduzidas há quinze anos. É no momento em que se formam os espíritos, em que se forja o caráter, que convém ser intransigente.

Os menores estão no centro da estratégia do Daech

Christophe Cornevin - Le Figaro, 23/9/2016

Um aprendiz jihadista interpelado por policiais da DGSI [Direção Geral da Segurança Interna], em 10 de setembro, no 12° distrito de Paris - (Foto: Eric Baudet/Divergence)

Pesquisa - Quatro adolescentes ligados ao Estado Islâmico acabam de ser presos. Segundo nossas informações, cerca de 2.000 jovens de menos de 18 anos estão identificados como radicalizados na França.

Aluno brilhante e excelente tenista, esse colegial acabava de soprar suas 15 velinhas em 9 de setembro. Interpelado cinco dias depois no 20° distrito de Paris pela Direção Geral de Segurança Interna (DGSI), apoiada por homens da Raid [sigla francesa para Investigação, Assistência, Intervenção e Dissuasão, unidade de elite da polícia nacional francesa], esse jovem militante do jihadismo foi indiciado por associação com malfeitores terroristas em vias de cometer crimes. Detetado no visor dos serviços de informação à flor da idade, esse jovem de origem egípcia é suspeito de ter selecionado ataques em nome do Daech, antes de desistir disso. 

Foi o quarto adolescente em uma semana a cair nas redes do antiterrorismo. Todos estavam sob o  comando de Rachid Kassim, propagandista virulento do Daech suspeito de teleguiar através da rede criptografada Telegram atentados na França a partir da zona iraquiano-síria. O primeiro, um menor de 15 anos , indiciado e encarcerado, projetava um ataque jihadista na França. Preso em Rueil-Malmaison (Alto Sena), tinha  sido descoberto na rede Telegram em ligação com Rachid Kassim. Para espanto de suas pessoas mais próximas, um aprendiz jihadista também de 15 anos foi por sua vez apreendido no 12° distrito. Sob prisão domiciliar desde os atentados de 13 de novembro e já visado por uma ficha S [que identifica pessoas potencialmente perigosas para a "segurança do Estado"], reconheceu ter desejado "morrer como um mártir depois de matar todo um bando de "kouffars" (infiéis)" com arma branca. Ia passar à ação para semear a morte ao acaso da "Coulée verte" de Paris ["Coulée verte" é um parque no sul de Paris, situado ao lado ou abaixo das linhas do TGV (trem de alta velocidade) atlântico, entre o boulevard periférico de Paris e Massy].

Longe de serem casos isolados, esses "filhotes de leão" recrutados pelo Estado Islâmico parecem se multiplicar, a despeito dos reveses militares da organização terrorista na zona iraquiano-síria. Segundo um balanço de 15 de setembro que chegou ao conhecimento do Le Figaro, 1.954 menores estão identificados como radicalizados na França. Ou seja, 18% do total de 11.912 indivíduos detetados após a implantação da plataforma antijihadista em abril de 2014. Mesmo que permaneça proporcionalmente estável, a parcela de pessoas com menos de 18 anos explodiu em 121% em relação  a janeiro deste ano (882 casos). "A ação dos serviços de informação está mais intensa do que nunca", enfatizou o ministro do Interior, Bernard Cazeneuve, alarmado com o número de "apelos à morte lançados por um certo número de militantes em ação na Síria, que utilizam meios criptografados para convocar franceses cada vez mais jovens para que passem à ação".

Desvantagem das meninas e moças

"Os menores franceses tornaram-se o alvo de uma técnica dita de 'saturação'", descreve um alto participante da luta antiterrorista. "Muitas vezes em situação de fracasso escolar e de ruptura familiar devida a divórcio dos pais, esses jovens desequilibrados são inicialmente abordados na rua por um amigo de um amigo que, cheio de falsa empatia, lhes dá o hashtag da rede criptografada Telegram de "sargentos" recrutadores do Daech instalados não só na Síria, mas também na França. Uma vez com conexão segura e sob o controle mental de "gurus" como Rachid Kassim ou mesmo de Omar Omsen, autor de numerosos vídeos de propaganda direcionados a adolescentes, eles são bombardeados por uma centena de mensagens diárias", testemunha esse especialista. "Como você está vestido(a)?", "Que orações fez esta manhã?", "Quem você encontrou?", "Você apertou a mão de um homem hoje?", "Não saia sozinho(a)", ... Bem experiente, a lavagem cerebral é enfeitada com discursos enganadores exaltando o mito de um califado onírico, digno de um conto das Mil e Uma Noites.

Segundo o painel de avaliação da Praça Beauvau [onde está localizado emParis o Ministério do Interior, desde 1861], as meninas e moças tornam-se cada vez mais numerosas no aliciamento de radicalização do que os meninos e rapazes. Cerca de um milhar delas caíram no "liquidificador". Um policial de alto escalão explica essa "feminilização" do recrutamento pelo "kit de vida" que o Daech promete àquelas que sonham encontrar o príncipe encantado nas zonas de combate, seengajar no humanitário e fundar uma família para repovoar um califado fantasioso. "As jovens são mais dispostas, porque pensam que não serão enviadas para combater antes dos jovens", esclarece o Ministério do Interior. "Diferentemente destes, elas não vêem o banditismo como uma válvula de escape ...".

No plano judiciário, o contencioso terrorista se traduz pelo indiciamento de 37 menores e o encarceramento de onze rapazes e três moças. O aprisionamento de uma adolescente de 16 anos interpelada no início de agosto quando de uma captura antiterrorista testemunha a vontade do Estado de por fim ao Islã radical. A adolescente também estava em contato com Rachid Kassim. Assim como uma jovem de 18 anos interceptada no mesmo momento em Clermont-Ferrand.

No caos das zonas de combate, o quadro não é menos sombrio. Segundo nossas informações, os serviços especiais registraram 17 adolescentes entre os 689 combatentes voluntários franceses engajados sob a bandeira do Daech. Seis outros aí encontraram a morte. Alguns outros participaram de simulações macabras de execuções, à semelhança do suposto filho de Sabri Essid, antigo mentor do matador de Toulouse Mohamed Merah, filmado aos 12 anos em um vídeo terrível no qual executa um "espião do Mossad"com uma bala na cabeça, enquanto gritava "Allah akbar!" [Deus é grande!].

Ouvido em 10 de maio último pela comissão da defesa nacional do Palácio Bourbon [sede da Assembleia Nacional da França], o chefe da DGSI Patrick Calvar revelou: "Cadastramos cerca de 400 menores na zona considerada (...), dos quais um terço nasceu ali e tem pois menos de 4 anos". De acordo com a União de Coordenação da Luta Antiterrorista (Uclat), eles seriam entre 130 e 140. "Vítimas de um trauma de nascença, essas crianças muito jovens absorveram o medo e a guerra como esponjas", testemunha um analista de informação. "Mesmo que o Estado faça tudo para recuperá-las, elas correm o risco de voltar à França com um limite de tolerância à ultraviolência que nada tem a ver com o que jamais se viu ...". Além das questões de legalidade que seu retorno provocará, Patrick Calvar apontou "problemas reais de  segurança" porque esses menores estão "condicionados", "instrumentalizados pelo Daech" e "se exercitam com armas de fogo".

Em um relatório parlamentar dedicado aos meios do Daech, Jean-Fréderic Poisson e Kader Arif se questionam sobre a confissão/admissão de culpa dessas crianças e sua responsabilização: "Daech derrotado, as autoridades locais admitiriam isso? Qual seria o status jurídico delas?". Retomando a ideia de uma "bomba-relógio", eles consideram que "essas crianças têm vocação para ficar onde  estão ou, se nascidos de pais estrangeiros, poderiam retornar para o país de seus pais". E acrescentam: "Nos dois casos, é preciso determinar o regime jurídico que lhes é aplicável: qual é sua nacionalidade? Que autoridade tem condições de lhes conceder um passaporte ou mesmo uma certidão de nascimento?".

Por ora, os poucos que conseguiram sair das garras das unidades de combate regressaram à França dizendo-se "enfadados com a jihad". Esse foi notadamente o caso de Yacine e Ayoub, de 15 e 16 anos, ambos nascidos em Toulouse e companheiros de liceu, ambos desaparecidos na Síria em janeiro de 2014 antes de se encontrarem envolvidos na época com Jabhat-al-Nosra, um grupo filiado à al-Qaida. No final de agosto, o Ministério Público de Paris abriu uma nova investigação para reencontrar Ayoub. Atualmente um jovem maior de  idade, ele conseguiu chegar à Síria com toda discrição, via Bulgária e depois Turquia.

À semelhança da Alemanha crepuscular de 1945 o Daech, perdendo a influência, iria recorrer às mulheres e às crianças para continuar sua guerra louca contra as "cruzadas"? Ninguém sabe ao certo. O ex-juiz antiterrorista Marc Trévidic assegurou no canal France Inter: "É preciso sobretudo não acreditar que o Daech não tem senão mulheres e crianças: isso é para ocupar território. O que não  quer dizer não haja pessoas mais profissionais que preparam coisas muito mais graves".

O ódio e o fanatismo não esperam pelo número de anos. Eles inoculam seu veneno poderoso em espíritos mais jovens para conseguir atos indescritíveis, como no dia de janeiro último em que, não distante do instituto franco-hebraico de Marselha, um estudante secundarista de origem curda agrediu com golpes de cutelo um homem que usava um quipá. Tendo agido em nome do Daech, porque aos seus olhos "os muçulmanos da França desonram o Islã e o exército francês protege os juízes", o estudante era até então considerado pelos professores como "bom aluno, estimado pela equipe pedagógica"; festejou seus 16 anos atrás das grades.

Um comentário:

  1. Excelente artigo Vasco.Cada vez mais vemos a importancia de uma familia com amor !!!!!!!!!
    Abrs
    Eliane

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