quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Bastidores da guerra contra o terrorismo

[Traduzo a seguir o artigo de Guy Rolnik publicado no jornal israelense Haaretz que se refere aos bastidores do grupo terrorista Estado Islâmico e das campanhas contra o terrorismo. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade. Na tradução, mesclei o texto do Haaretz com o do The New York Times (NYT) que lhe serviu de base. Recomendo fortemente a leitura também dessa reportagem do NYT. Vê-se que a indústria de armamentos é a principal protagonista das carnificinas que atormentam o mundo, protegida por lobistas (civis e militares reformados), por autoridades e governos corruptos.] 


Uma bandeira do Estado Islâmico tremula sobre os restos de um helicóptero sírio - (Foto: AP)


Os Estados Unidos (EUA) acordaram em Maio de 2005 sob uma saraivada de críticas relativas a Gitmo [Gitmo é o jargão  militar americano para a Base Naval da Baía de Guantánamo, em Cuba, porque o código da pista aérea da base é GTMO]. A Baía de Guantánamo é um "gulag da nossa era", disse a secretária-geral da Anistia Internacional Irene Khan, acusando os EUA  e o Reino Unido de aprovarem a tortura enquanto tentam manter suas consciências limpas [gulag era um sistema de campos de trabalhos forçados para criminosospresos políticos e qualquer cidadão em geral que se opusesse ao regime da União Soviética (todavia, a grande maioria era de presos políticos; no campo Gulag de Kengir, em junho de 1954, existiam 650 presos comuns e 5200 presos políticos)]. Especialistas em direitos humanos na ONU clamavam para que Gitmo fosse fechada. 

Washington reagiu rapidamente, colocando um grupo de generais aposentados num dos aviões usados pelo vice-presidente Dick Cheney numa sexta-feira de manhã e enviando-os para visitar o local, que fica em Cuba [o The New York Times (NYT) disse que essa foi uma visita "cuidadosamente orquestrada"]

O público americano conhecia bem esses generais ("analistas militares") por conta de suas incontáveis presenças na TV, no rádio e na imprensa. Seu conhecimento e sua experiência dão-lhes a credibilidade exigida pela imprensa americana, que estava sedenta por algo robusto em termos de análise militar desde setembro de 2011 [aqui o autor faz uma bagunça na cronologia dos fatos e da história, pulando de 2005 para 2011 num piscar de olhos, repetindo o dito pelo NYT]

Mas, três anos depois, no verão de 2008, o correspondente do NYT David Barstow expôs o sistema. Descobriu-se que muitos desses generais fazem parte de um amplo sistema montado pelo Pentágono para influenciar o público americano.

Aqueles caras que voaram para Cuba e os incontáveis outros "analistas militares" que enfeitam os monitores das TVs não estão apenas liberando informações costuradas pelo Pentágono. Há dinheiro grande envolvido nisso. Cerca de 150 eles atuavam como lobistas, empreiteiros, gerentes, diretores ou consultores de empresas de armamentos ou para o próprio Pentágono [o NYT disse: "os homens no avião e várias dezenas de outros analistas militares representam mais de 150 empreiteiros militares, ... Essa companhias incluem não só pesos-pesados da área de defesa, mas também inúmeras empresas menores, todos participantes de um vasto conjunto de empreiteiros disputando centenas de bilhões de dólares em negócios militares gerados pela guerra do governo contra o terrorismo. É uma competição furiosa, na qual informações privilegiadas e acesso a autoridade seniores têm um alto valor"] . Esses comentaristas, foi revelado, levam uma boa vida por conta da indústria de guerra. 

No início, o Pentágono negou esses vínculos entre dinheiro grande, grande segurança e a mídia. Mas, a reportagem mostrou-se exata, correta. As redes de TV americanas ficaram constrangidas com as revelações sobre os contatos subterrâneos de seus comentaristas e alegaram não ter conhecimento disso ou preferiram não abordar o assunto.

Uma semana depois da reportagem do NYT, o Pentágono engavetou seu programa "secreto" -- aquele que alegava que não existia. Uma investigação pelo Departamento de Defesa americano mostrou que haviam ocorrido impropriedades. 

Tudo isso veio à mente quando a mídia ocidental colocou seus holofotes sobre os atos terroristas em Paris e divagou sobre como abater o Estado Islâmico (ISIS, na sigla inglesa) antes que seu terrorismo se espalhe também sobre os EUA e o resto da Europa. 

Algo faltava: um lembrete sobre o ISIS surgiu, quem o financia, e como o gráfico do terrorismo global ficou depois que George W. Bush declarou guerra ao terrorismo e conquistou o Iraque. 

Comentaristas de assuntos árabes falavam com profundo conhecimento sobre as seitas, os cultos e as facções no Iraque, na Arábia Saudita, na Síria e alhures; quem está envolvido, quem está fora; e sobre quem ainda provocará uma surpresa. Algumas vezes, eles soavam como comentaristas esportivos.  

Há pouca discussão sobre a contribuição de dinheiro ocidental -- especialmente dinheiro americano -- para o crescimento desse terrorismo. Aquela história interessante sobre o Pentágono, Gitmo e os generais pode ajudar a entender porque isso ocorre. 

A indústria da guerra, do terrorismo e da paz é uma das maiores do mundo.  Isso começa com os enormes gastos dos EUA com segurança, forças armadas, armamentos e todas suas agências de espionagem -- US$ 1 trilhão por ano. Depois, há centenas de milhares de pessoas, de lobistas e jornalistas a organizações de ajuda. 

Fazer guerra e batalhar pela  paz não apenas envolve orçamentos enormes que poderiam ser usados de maneira mais benéfica, mas confere também legitimidade a políticos e generais corruptos. A mídia tende a desviar os olhos da corrupção e dos interesses econômicos de políticos e comentaristas se a paz estiver em jogo. O ex-primeiro-ministro israelense Ehud Olmert falou de novo recentemente sobre como ele teria negociado [como "corretor"] a paz se não tivesse sido preso a caminho de aceitar subornos, fraude e quebra de confiança. E o ex-chefe do Mossad [serviço secreto israelense] aceitou uma comissão de US$ 11 milhões por ter negociado um acordo de gás com o Egito, mas a imprensa prefere discutir seus comentários sobre o ISIS. 

A imprensa de fato publica ocasionalmente histórias sobre corrupção entre políticos, generais e fabricantes de armas, mas o que molda a opinião pública são a quantidade, a proeminência e o contexto das histórias. Quanto mais o terrorismo e as guerras ditarem as primeiras páginas, mais relegada fica a corrupção para as últimas páginas. Cada um [leitor] se torna parte do "mocinho" coletivo contra o "bandido".

[A reportagem do NYT prossegue: 

"Escondido entretanto por trás dessa aparência de objetividade [dos analistas militares] há um aparato de informação do Pentágono, que tem utilizado esses analistas para gerar uma cobertura de notícias favorável ao desempenho do governo em tempos de guerra, como descobriu uma análise feita pelo jornal. Esse esforço, que começou com a montagem da guerra do Iraque e continua até hoje, tem buscado explorar lealdades ideológicas e militares e também uma poderosa dinâmica financeira: a maioria dos analistas possui laços com empreiteiros militares legalmente envolvidos com as próprias políticas de guerra que os analistas são solicitados a avaliar ao vivo. Essas relações comerciais dificilmente são sequer divulgadas aos espectadores e, às vezes, nem mesmo para as próprias redes de TV. 


(...) Alguns desses analistas estavam na missão a Cuba em 24 de junho de 2005, a primeira das seis viagens dessa natureza a Guantánamo, que foi planejada para mobilizar os analistas militares contra a crescente percepção de que Guantánamo era um símbolo internacional de tratamento desumano. Durante o voo para Cuba, na maior parte do dia em Guantánamo e no voo de volta para casa, oficiais do Pentágono instruíram os cerca de 10 analistas sobre as mensagens chaves que deveriam divulgar: quanto foi gasto para melhorar as instalações, os abusos sofridos pelos guardas e a extensa lista de direitos garantidos aos detentos.  


Os resultados vieram rapidamente. Os analistas foram para a TV e o rádio condenando e denunciando a Anistia Internacional, criticando os apelos para fechar as instalações e asseverando que todos os detentos eram tratados humanamente. (...)


Planejando a campanha


No início de 2002, estava em progresso um planejamento detalhado para uma possível invasão do Iraque mas, entretanto, um obstáculo surgia ameaçadoramente. As pesquisas mostravam que muitos americanos estavam desconfortáveis e constrangidos quanto a invadir um país que não apresentava conexão clara com os ataques de 11 de setembro. Autoridades do Pentágono e da Casa Branca consideraram que os analistas militares poderiam desempenhar um papel crucial para ajudar a vencer essa resistência.


(...) O Pentágono notou que esses analistas geralmente ficavam mais tempo no ar do que os repórteres das redes de TV, e eles não estavam simplesmente explicando o poderio dos helicópteros Apache. Eles estavam estruturando como os espectadores deveriam interpretar os eventos. Além disso, embora estivessem na mídia de notícias os analistas não pertenciam a essa mídia. Eles eram militares, muitos deles ideologicamente em sintonia com o grupo neo-conservador de assessores do governo, muitos deles atores importantes de uma indústria bélica que antevia grandes aumentos de orçamento no governo para pagar por uma guerra no Iraque. (...)


Montando a equipe


Desde o início, a Casa Branca mostrou um vivo interesse em saber que analistas haviam sido identificados pelo Pentágono, requisitando listas e sugerindo nomes. Ao longo do tempo, o Pentágono recrutou mais de 75 oficiais da reserva, embora alguns só participassem rápida e esporadicamente. O maior contingente estava vinculado ao canal Fox News, seguido pela NBC e pela CNN, mas analistas dos canais CBS e ABC foram também incluídos. 


(...) O grupo era fortemente representado por homens envolvidos no negócio de ajudar empresas a ganhar contratos. Vários deles ocupavam cargos seniores com empreiteiros que lhes davam diretamente responsabilidade para conseguir novos contratos com o Pentágono. James Marks, um general reformado do exército e analista da CNN de 2004 a 2007, diligenciou contratos militares e de inteligência como um executivo sênior da McNeil Technologies. Outros analistas detinham posições em diretorias de empresas militares que lhes davam a responsabilidade por negócios com o governo. O general McInerney, analista da Fox, por exemplo, tem assento nas diretorias de vários contratantes militares, incluindo a Nortel Government Solutions, um fornecedor de redes de comunicação. (...)


Vendendo a guerra


(...) No outono e no inverno imediatamente anteriores à invasão do Iraque, o Pentágono equipou seus analistas com pontos de abordagem que configuravam aquele país como uma ameaça premente. O tema básico tornou-se um mantra familiar: o Iraque possuía armas químicas e biológicas, estava desenvolvendo armas nucleares e poderia, um dia, desviar algumas delas para a al-Qaeda -- uma invasão do país seria uma "guerra de libertação" relativamente rápida e barata. 


(...) Em 12 de abril de 2003, com os combates principais quase concluídos, Donald Rumsfeld [secretário de Defesa] minutou um memorando para o Pentágono: "Vamos pensar sobre termos na equipe, depois que isso terminar, algumas das figuras que fizeram um trabalho tão bom como comentaristas".  No verão, entretanto, surgiram os primeiros sinais de insurgência no Iraque. Reportagens de repórteres baseados em Bagdá estavam cada vez mais carregadas com a imagem de uma desordem local. 


(...) Um memorando estratégico interno do Pentágono gerou uma proposta para levar analistas militares a uma viagem ao Iraque em setembro de 2003, planejada para ajudar o governo a superar o persistente choque gerado pelo pedido feito por Rumsfeld para um financiamento de US$ 87 bilhões para uma guerra de emergência. (...) Dessa viagem resultou um relatório forjado, pintando um Iraque efervescente de energia política e econômica, com suas forças de segurança florescendo. 


(...) Além da mensagem de progresso [na guerra], a viagem representava também uma oportunidade comercial: acesso direto aos mais graduados líderes civis e militares no Iraque e no Kuwait, incluindo muitos com influência sobre como os US$ 87 bilhões do governo seriam gastos. Era também uma oportunidade de coletar informação privilegiada sobre as mais prementes necessidades da missão americana: a carência aguda de Humvees super-armados [Humvee: abreviação para High Mobility Multipurpose Wheeled Vehicle (HMMWV) (Veículo de Rodas de Múltiplos Objetivos de Alta Mobilidade)]; os bilhões a serem gastos na construção de bases militares, a necessidade urgente de intérpretes; e os planos ambiciosos para treinar as forças de segurança iraquianas.  Informações e acessos dessa natureza tinham inegável valor para participantes da viagem como William V. Cohan e Carlton A. Sherwood.


(...) Cowan, um coronel reformado da Marinha e analista da Fox, era o CEO de uma nova empresa militar, o Grupo wvc3. O jornalista Sherwood era seu vice-presidente executivo. Na época, a companhia buscava contratos no valor de dezenas de milhões de dólares para o fornecimento de blindagens corporais e serviços de contrainteligência no Iraque. Além disso, o Grupo wvc3 tinha um acordo escrito para usar sua influência e suas conexões para ajudar líderes tribais da província Al Anbar a ganhar da coalizão contratos de reconstrução. "Aqueles sheiks queriam acesso à CPA [sigla inglesa]", mencionou Cowan em uma entrevista, referindo-se à Autoridade Provisional da Coalizão. (...)


Acesso e Influência


Dentro do Pentágono e da Casa Branca a viagem foi considerada uma obra-prima no gerenciamento de percepções, em particular porque forneceu combustível às reclamações de que jornalistas "dominantes" estavam ignorando as boas notícias do Iraque.


(...) Os analistas se encontraram com Rumsfeld pelo menos 18 vezes, como mostram os registros, mas isso era apenas o começo. Eles tiveram dezenas de sessões mais com os mais top seniores de seu núcleo principal de assessores e tiveram acesso a pessoas responsáveis por gerenciar os bilhões de dólares que estavam sendo gastos no Iraque. Outros grupos de "influenciadores-chave" tinham reuniões, mas longe de ser com a mesma frequência que as dos analistas. 

Um memo interno do Pentágono em 2005 ajudou a explicar porque isso ocorria. A correspondência, escrita por uma funcionária graduada do Pentágono que havia acompanhado os analistas ao Iraque, dizia que com base em suas observações durante a viagem os analistas "estão alcançando um impacto maior" na cobertura das redes televisivas sobre os assuntos militares. "Eles se tornaram agora as pessoas a quem recorrer não apenas quanto às histórias de última hora, mas influenciam as visões sobre os temas abordados", disse ela. 

A reportagem do NYT menciona que os analistas sentiam que estavam sendo manipulados pelo Pentágono e pelo governo para dar suporte à história das armas dos iraquianos,  já que não havia nenhuma evidência concreta da existência desse armamento. Mas, nenhum deles deixou transparecer qualquer apreensão ou receio a esse respeito para o público americano. 

(...) Algumas mensagens por e-mails entre o Pentágono e os analistas revelam uma troca de acesso privilegiado por cobertura favorável. Robert H. Scales Jr., um general reformado do exército e analista para a Fox e a Rádio Pública Nacional cuja firma de consultoria assessora várias empresas militares quanto a armas e táticas usadas no Iraque, queria que o Pentágono aprovasse reuniões de instrução de alto nível para ele dentro do Iraque em 2006. 

Pentágono observa cuidadosamente

Na realidade, as aparições dos analistas na mídia de notícias estavam sendo monitoradas de perto. O Pentágono pagou centenas de milhares de dólares a uma empresa privada, a Omnitec Solutions, para esquadrinhar bases de dados sobre qualquer traço de participação dos analistas fosse onde fosse.  A Omnitec avaliou suas aparições utilizando as mesmas ferramentas empregadas por analistas de marcas de produtos. Um relatório, avaliando o impacto de várias viagens ao Iraque em 2005, mostrou exemplo após exemplo de analistas dando eco a temas do Pentágono em todas as redes. "No geral, os comentários resultantes das três viagens ao Iraque foram extremamente positivos", concluiu o relatório.

Em entrevistas, vários analistas reagiram com consternação quando souberam que eram descritos como "seguidores" confiáveis  em documentos do Pentágono. E alguns asseguraram que suas sessões no Pentágono foram, como colocou David L. Grange, um general reformado do exército e comentarista da CNN,  foram precisamente de informações honestas e diretas", enquanto outros frisaram, corretamente, que nem sempre concordavam com o governo ou entre si. "Nenhum de nós manteve uma posição sem expô-la a uma crítica" disse o general Scales. Analogamente, vários negaram também que tivessem usado sua condição de acesso especial para auferir ganhos comerciais. "Sem qualquer relação", disse o general Shepperd, frisando que muitos no Pentágono mantinham a CNN "na mais baixa estima". 

Em 3 de agosto de 2005, 14 fuzileiros americanos morreram no Iraque. Nesse dia, Cowan, que disse estar ficando cada vez mais desconfortável com a "versão distorcida da realidade" que estava sendo imposta aos analistas nas reuniões de instruções, chamou o Pentágono para avisá-lo antecipadamente de que alguns de seus comentários na Fox "poderiam não ser de todo amigáveis". Os registros do Pentágono mostram que os auxiliares seniores de Rumsfeld rapidamente providenciaram uma reunião de instruções com Cowan, entretanto as reações foram rápidas quando Cowan disse à Fox que os EUA "não estavam em boa rota de aterrissagem naquele momento". Cowan disse que foi "precipitadamente demitido do grupo de analistas" por essa aparição na Fox. (...)

A revolta dos generais

A dimensão real da compreensão mútua entre governo, Pentágono e analistas militares nunca talvez foi mais clara do que em abril de 2006, quando vários ex-generais de Rumsfeld -- nenhum deles da rede de analistas militares -- vieram a público com críticas devastadoras sobre seu desempenho em tempos de guerra. Alguns pediram sua renúncia. 

De acordo com os registros existentes, em 14 de abril, com o que foi chamado de "Revolta dos Generais" nas manchetes, Rumsfeld instruiu seus assistentes a convocar os analistas militares para uma reunião com ele no início da semana seguinte. (...) No mesmo dia, funcionários do Pentágono ajudaram dois analistas da Fox, o general McInerney e o general Vallely, a escreverem um artigo para o The Wall Street Journal defendendo Rumsfeld.

(...) Apesar do sigilo padrão, os planos para a reunião de Rumsfeld com os analistas vazaram, gerando uma reportagem de primeira página do NYT no domingo 16 de abril. Em clima de controle de danos, funcionários do Pentágono batalharam freneticamente para apresentar aquela reunião como rotineira e determinaram que as comunicações com os analistas fossem mantidas de modo "muito formal", dizem os registros existentes. "Isso agora é muito, muito sensível", alertou um funcionário do Pentágono a seus subordinados.

Em 18 de abril, cerca de 17 analistas reuniram-se com Rumsfeld e o general Pace, que então presidia a Junta de Chefes de Staff [um grupo de líderes militares do Departamento de Defesa americano que assessora em temas militares todos os principais órgãos de segurança americanos]. Uma transcrição da sessão, nunca antes divulgada, mostra um determinação compartilhada para marginalizar as críticas sobre a guerra e restabelecer o apoio popular à guerra.

(...) "Falando francamente", disse um participante da reunião, "do ponto de vista militar é relativa a dolorosa perda de 2.400 bravos americanos que tivemos, 3.000 em 1 hora e 15 minutos". Um analista disse em um outro momento: "Essa é uma guerra mais ampla. E tenhamos ou não democracia no Iraque, isso não tem a mínima importância se terminarmos com o resultado que queremos, que é um regime lá que não seja uma ameaça para nós". Tomando notas, Rumsfeld disse "exato". Mas, ganhando ou não, alertaram os analistas franca e abertamente, o governo estava em perigo político grave enquanto a maioria dos americanos visse o Iraque como uma causa perdida. "A América detesta um perdedor", disse um analista.

(...) Dias depois da reunião, Rumsfeld escreveu um memorando concentrando em pontos-chave a orientação coletiva do governo: "Focar na Guerra Global contra o Terror, não apenas no Iraque. A guerra mais ampla, a guerra longa". -- "Vincular o Iraque ao Irã. O Irã é a preocupação. Se falharmos no Iraque ou no Afeganistão, isso ajudará o Irã". 

Mas, se Rumsfeld considerou a reunião instrutiva, pelo menos um participante, o general Nash, analista da rede ABC, ficou indignado. "Saí daquela reunião com completo desrespeito por meus companheiros comentaristas, com talvez uma ou duas exceções", disse ele.

A visão das redes

(...) Por ora, entretanto, por causa da forte cobertura das eleições e um cansaço geral, os analistas militares estão longe de conseguir muito tempo na TV e as redes fizeram cortes em suas listas de analistas. Uma conference call recente do general Petraeus com analistas militares, numa folga de seu depoimento no Congresso sobre a guerra do Iraque, gerou por exemplo pouca cobertura imediata. 

Ainda assim, o Pentágono continua a fazer quase semanalmente reuniões de instrução com analistas militares selecionados. Muitos analistas dizem que as redes televisivas estavam apenas de leve cientes dessa interação. As redes, disseram eles, têm pouca percepção de quão frequentemente eles se reúnem com funcionários seniores do Pentágono ou do que é discutido. "Não acho que a NBC estivesse sequer ciente de que estávamos participando", disse Rick Francona, um analista militar de longa data da rede.

Algumas redes publicam biografias em seus sites na internet, descrevendo a experiência militar de seus analistas e, em alguns casos, fornecem pelo menos uma informação limitada sobre seus vínculos empresariais. Mas muitos analistas disseram também que as redes faziam poucas perguntas sobre seus interesses comerciais externos, a natureza de seu trabalho ou sobre a possibilidade desse trabalho criar conflitos de interesse. "Nada disso jamais aconteceu", disse Allard, um analista da NBC até 2006. "O pior conflito de interesse é a falta de interesse", disse ele.

Allard e outros analistas disseram que os dirigentes de suas redes também não levantaram objeções quando o Departamento de Defesa começou a pagar suas passagens em voos comerciais para viagens ao Iraque patrocinadas pelo Pentágono -- uma clara violação ética para a maioria das redes de notícias.  A CNB News declinou de comentar sobre o que sabia sobre os vínculos comerciais de seus analistas ou sobre que medidas tomou para se resguardar contra conflitos de interesse potenciais.

A NBC também declinou de discutir seus procedimentos para contratar e monitorar analistas militares. (...)

Jeffrey W. Schneider, um porta-voz da rede ABC, disse que embora os consultores militares da rede não fossem submetidos às mesmas regras éticas que seus jornalistas de tempo integral, a rede esperava que eles a informassem sobre qualquer complicação comercial externa. "Deixamos claro para eles que esperamos que nos mantenham bem informados", disse ele. 

(...) A CNN exige que seus analistas informem por escrito todas as suas fontes de renda externas. Mas, como outras redes, não provê seus analistas militares com o mesmo tipo de diretrizes éticas escritas e específicas que fornece a seus empregados de tempo integral para evitar conflitos de interesse reais ou aparentes. 

Entretanto, onde existe controle ele tem se mostrado às vezes frouxo. A CNN, por exemplo, disse que durante três anos não teve ciência de que seu principal analista militar, o general Marks, estava profundamente envolvido no negócio de conseguir contratos do governo, incluindo contratos relacionados com o Iraque. Ele foi contratado pela CNN em 2004, mais ou menos na época em que assumiu um cargo de direção na McNeil Technologies, onde seu trabalho era buscar contratos militares e de inteligência. Como exigido pela CNN, ele informou que recebia proventos da McNeil Technologies, mas essa informação não exigia dele mencionar o que estava envolvido em seu trabalho -- e a CNN falhou em não fazer uma avaliação ética adicional.]

PS - Como dito acima, a indústria da guerra e da paz é das mais poderosas do planeta e não por simples coincidência seus maiores exportadores e importadores estão diretamente envolvidos nos principais conflitos militares que matam milhares de pessoas e geram milhões de refugiados mundo afora, como mostra o gráfico abaixo:



Nada menos que 1,29 bilhão de euros (US$ 1,4 bilhão) será fornecido em bombas inteligentes pelos EUA à Arábia Saudita, que está em guerra contra o Iêmen. Desde a guerra Irã - Iraque em meados da década de 1980, a força aérea da Arábia Saudita é maciçamente equipada com aviões americanos.

A força aérea dos Emirados Árabes, que atua no Iêmen, na Síria e na Líbia, por exemplo, é também equipada com caças americanos. E por aí vai.







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