terça-feira, 23 de julho de 2013

Brasil tem deficit semestral que é recorde histórico nas transações com o exterior

[Nosso país está há meses economicamente doente -- à parte a corrupção endêmica -- e só nossa doce e cativante Dona Dilma e seus 39 lacaios não percebem. Quando se derem conta, talvez já estamos com terra e cal por cima. A reportagem abaixo é da Folha de S. Paulo de hoje, da jornalista Mariana Schreiber da sucursal de Brasília. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

O saldo negativo nas transações correntes do Brasil com o exterior foi recorde no primeiro semestre deste ano, somando US$ 43,5 bilhões, valor muito superior ao rombo registrado de janeiro a junho de 2012 (US$ 25,2 bilhões), informou nesta terça-feira (23) o Banco Central. Essas transações incluem as trocas comerciais de bens e serviços, como viagens e aluguéis de equipamentos, além das transferências de renda, como remessa de lucros e pagamento de juros.

O rombo recorde reflete um desempenho fraco da balança comercial -- que é influenciado por uma queda nas exportações e por um aumento das importações. Mas também do impacto de uma mudança na forma de a Petrobras registrar suas compras de combustível no exterior. 

Também influencia esse resultado o valor recorde de gastos com viagens de brasileiros ao exterior, que atingiu R$ 12,3 bilhões no primeiro semestre. Em junho o deficit ficou em US$ 4 bilhões, valor pouco menor que o registrado um ano antes (US$ 4,4 bilhões).

Essa queda, porém, foi impactada por uma operação de exportação. A Petrobras "exportou" uma plataforma de petróleo para subsidiárias no exterior. A operação é apenas contábil, contudo, pois o equipamento não saiu do país. A operação significou US$ 1,6 bilhão a mais no saldo comercial de junho. 

O chefe do Departamento Econômico do BC, Tulio Maciel, observa que a desvalorização do real é a primeira barreira de proteção para conter a disparada do deficit, ao encarecer bens e serviços adquiridos no exterior e tornar nossas exportações mais competitivas.  No entanto, destaca, isso tem efeito defasado. Maciel acredita que o dólar mais alto terá impacto gradativo na melhora da balança comercial ao longo do segundo semestre do ano.

A projeção do BC é que o saldo entre exportações e importações, que hoje está negativo em US$ 3 bilhões no acumulado do semestre, feche o ano positivo em US$ 7 bilhões.  Além disso, ele também espera um arrefecimento nos gastos de turistas brasileiros no exterior. "Historicamente, vemos reação de despesas com viagem à variação de cambio. Contudo, nem sempre a resposta é imediata. Esses gastos não mostraram ainda moderação", afirmou.

 Retrato das contas externas -- resultado negativo é recorde (clique na imagem para ampliá-la). -- (Ilustração: Editoria de Arte/Folhapress).

Os gastos de brasileiros com viagens a outros países foi recorde para meses de junho, somando US$ 1,9 bilhão. Em julho esses gastos continuam fortes, disse Maciel, tendo somado US$ 1,471 bilhão até dia 19. 

Investimento produtivo

O destaque positivo de junho ficou com a entrada expressiva de investimento produtivo, que somou US$ 7,2 bilhões, maior valor para o mês desde 2007 e mais do que suficiente para cobrir o deficit na conta corrente no mês.  Segundo Maciel, o número ficou acima do que esperava o BC, mas não se trata de algo "extraordinário", pois a entrada de investimento produtivo tem se mostrado forte há vários meses. 

No acumulado do semestre, apesar do número também ser robusto (US$ 30 bilhões), ele não foi suficiente para cobrir o rombo recorde nas transações de bens, serviços e rendas.  O investimento produtivo é considerado pelo BC como a melhor forma de cobrir esse rombo porque ele costuma ser menos volátil que os investimentos financeiros.

Renda fixa e ações

Outro destaque da conta capital e financeira -- que registra a entrada e saída de investimentos do país -- foi a entrada de US$ 7,2 bilhões para aplicações de renda fixa.  Esse fluxo expressivo refletiu a retirada do impostos sobre investimentos estrangeiros nessas aplicações, em 5 de junho. 

Por outro lado, houve forte saída de recursos que estavam investidos em ações (US$ 3,7 bilhões), o que indica uma realocação desses investimentos para renda fixa, disse Maciel.  Além disso, vale destacar que junho foi um mês de grande instabilidade nas bolsas por causa da expectativa de retirada de estímulos econômicos pelo Fed, o banco central americano. 


[O jornal Valor Econômico de ontem nos deu uma notícia que só faz tornar esse cenário ainda mais preocupante: os setores industriais desonerados pelo governo ainda perdem para importados.  Até agora, a desoneração da folha de pagamentos e a alíquota adicional no Imposto de Importação não tiveram o efeito esperado sobre o comércio exterior brasileiro. Mesmo com os estímulos fiscais, que aumentam a competitividade da indústria instalada no país, a importação de mercadorias produzidas pelos setores beneficiados ganhou ainda mais peso na balança comercial do país.

Levantamento feito pelo Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor, mostra que, nos últimos 11 meses, os desembarques de itens beneficiados nos setores citados somaram US$ 60,4 bilhões, 28,4% do total importado pelo país no período (US$ 212,4 bilhões).

Os setores desonerados também não conseguiram avançar no mercado externo. No período analisado, suas exportações caíram 8,4%, mais do que a média das exportações totais do país, de 6%. "As desonerações não atuaram de forma a inverter a trajetória do comércio exterior", confirma Rodrigo Branco, economista da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex).
 
Trocando em miúdos: a desoneração fiscal do governo virou uma mágica besta e inútil, não resolveu, continua não resolvendo e não resolverá nunca os problemas cruciais do país. Nossa supersimpática Dona Dilma, nossa Dama de Ferrugem, é uma mala sem alça.]

Falha em cartão SIM pode afetar 750 milhões de celulares

É comum ouvirmos falar de aplicativos com malware que afetam o funcionamento de smartphones, mas um especialista em cibersegurança alemão afirma ter descoberto uma falha na tecnologia de criptografia de alguns cartões SIM, os conhecidos chips de celular, que possibilita o envio de vírus para o aparelho com apenas uma mensagem de texto. A estimativa é que o problema afete cerca de 750 milhões de chips no mundo.

Karsten Nohl, fundador do Security Research Lab, afirma que a falha permite o acesso à chave do cartão, uma sequência de 56 números, que dá acesso ao chip. Com a chave em mãos, é possível enviar um vírus para o celular por meio de um SMS e assumir controle total do aparelho, dando ao hacker a possibilidade de ouvir ligações telefônicas ou fazer compras on-line.

"Nós podemos instalar remotamente um software que opera de forma completamente independente do telefone", disse Nohl. "Nós podemos espionar. Nós sabemos a chave criptografada para ligações. Podemos ler mensagens de texto. Mais que espionar, podemos roubar dados do cartão SIM e fazer compras por essa conta".
 
O especialista afirma que a falha está presente em um método de criptografia desenvolvido nos anos 70, chamado Padrão de Criptografia de Dados (DES, na sigla em inglês). Após descobrir o problema, o laboratório testou cerca de mil cartões de operadoras americanas e europeias por um período de dois anos. A falha foi detectada em um quarto dos chips que rodam o sistema.

O DES é utilizado em cerca da metade dos 6 bilhões de celulares em uso atualmente. Na última década, muitas operadoras adotaram um método mais seguros, chamado DES Triplo, mas muitos chips ainda rodam o padrão antigo.

Em comunicado, a porta-voz da Associação GSM [Global System for Mobile Communications] Association Clarie Cranton afirma ter recebido o alerta do especialista, que foi encaminhado para operadoras e fabricantes de chips. A organização afirma ainda que apenas uma pequena parcela dos telefones que usam o padrão antigo “pode estar vulnerável”.

[Ver mais detalhes em "SIM cards are prone to remote hacking".]
 

segunda-feira, 22 de julho de 2013

O original da Lista de Schindler vai a leilão no eBay por cerca de R$ 7 milhões

Uma cópia original da lista de judeus salvos do Holocausto por Oskar Schindler está à venda no eBay por 2,28 milhões de euros (cerca de três milhões de dólares ou quase R$ 7 milhões).

A lista de 14 páginas, escrita à máquina, com os nomes de 801 judeus poupados aos campos de concentração nazis, foi feita pelo braço direto do empresário industrial alemão Itzhak Stern, disse à AFP Gary Zimet, do site de venda de documentos históricos MomentsInTime.com.  "O sobrinho de Stern (em Israel) vendeu-a há três anos ao atual proprietário, que a comprou como um investimento", contou Zimet, sem dar mais detalhes sobre o vendedor.

No eBay, os vendedores reforçam que não se trata de uma “cópia da lista, mas sim da verdadeira lista”, assegurando que o documento, “absolutamente raro”, é o único que está no mercado. Para atestar a sua veracidade, a venda será acompanhada de um certificado de autenticidade do sobrinho de Itzhak  Stern.

Trata-se de uma das cinco listas ainda existentes. Eram sete originalmente. Uma está no Museu do Holocausto, nos Estados Unidos, outra nos Arquivos Federais Alemães e as outras duas no Museu Yad Vashem, em Israel.

Gary Zimet e o sócio Eric Gazin escolheram o eBay, o popular site de leilões na Internet, devido ao seu alcance global. O leilão termina a 28 de Julho, às 18h, em Los Angeles.

Oskar Schindler salvou a vida de pelo menos 1200 judeus que trabalhavam nas suas fábricas durante a Segunda Guerra Mundial. Schindler morreria na Alemanha, em 1974, aos 66 anos. A sua história foi celebrizada no cinema pelas mãos de Steven Spielberg em "A lista de Schindler”.

Lista à venda é uma das cinco ainda existentes, das sete originais (clique na imagem para ampliá-la). - (Foto: Michael Dalder/Reuters).

 Detalhe de uma das quatorze páginas da "Lista de Schindler" original (clique na imagem para ampliá-la). - (Foto: sBay/Fonte: El Mundo).

[Na última coluna da direita estão lançadas as profissões dos presos. Temos, por exemplo: Bäcker = padeiro; - Metalverarbeitung = usinagem mecânica; - Arzt Chirurg = cirurgião médico; - Automechaniker = mecânico de automóveis; - Tischler Gehilfe = auxiliar de carpinteiro; - ang. Installateur = tido como instalador; - Fleischergeselle = mestre açougueiro; - Buchhalter = contador; - Stanzer = operador de prensa; - Koch = cozinheiro; Schlossergehilfe = auxiliar de metalúrgico; - Glaser = vidraceiro; - etc.]

Alemanha tem quase 8 milhões de analfabetos, ou 14% da força de trabalho

[A informação que traduzo abaixo, do Ministério da Educação alemão, é simplesmente surpreendente. A locomotiva da Europa e a quarta economia do mundo em termos de PIB tem nada menos que 14% de sua força de trabalho formados por analfabetos funcionais. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

A pesquisa de nível um (level-one survey, "leo") feita em 2011 pela Universidade de Hamburgo concluiu que 2,3 milhões de pessoas na Alemanha conseguem ler ou escrever palavras isoladas, mas não sentenças inteiras. Assim, no conjunto, mais de 4% da população operária alemã são diretamente afetados pelo analfabetismo. O número de analfabetos funcionais no país é muito maior do que se supunha -- cerca de 7,5 milhões ou 14% da força de trabalho alemã podem ler ou escrever sentenças individuais, mas são incapazes de uma compreensão coerente mesmo no caso de instruções de trabalho breves, curtas.

É impossível ter uma participação adequada na vida social se você for funcionalmente analfabeto. Estimativas anteriores situavam em cerca de 4 milhões o número de pessoas afetadas por anafalbetismo funciona no país. O estudo revela que a soletração mesmo de palavras comuns é um problema para 21 milhões de pessoas na Alemanha, o que representa quase 40% da mão de obra [embora a pronúncia do alemão seja extremamente fiel à grafia das palavras, e muito menos errática e dúbia do que a do inglês por exemplo, a soletração de uma palavra em alemão requer bastante atenção -- agravada pela possibilidade teoricamente infinita de formação de palavras compostas pela junção direta de palavras individuais].

A pesquisa de nível um (leo) foi realizada pela Universidade de Hamburgo no contexto da pesquisa suplementar de 2010 sobre a educação continuada europeia "Pesquisa de Educação Adulta" (AES, na sigla em inglês). Em uma amostragem aleatória, foram entrevistadas mais de 7.000 pessoas na faixa etária entre 18 e 64 anos . No caso da "leo", esse número foi aumentado de uma amostra aleatória de 1.350 pessoas nos níveis de educação mais baixos.

O estudo citado disponibiliza, pela primeira vez na Alemanha, dados nacionais confiáveis e diferenciados sobre analfabetismo -- isto é, a capacidade de lidar com texto escrito por leitura e escrita, e de compreensão e produção de manifestação com conteúdo nos níveis mais baixos de competência para ler e escrever. O projeto de pesquisa da Universidade de Hamburgo recebeu financiamento de 1,3 milhões de euros [cerca de R$ 4 milhões] do Ministério Federal de Educação e Pesquisa do governo alemão [a pesquisa "leo" está disponível em formato pdf].

[Em relação à população total do país -- 81,5 milhões de habitantes -- a taxa de analfabetismo funcional da Alemanha é de 9,2%. A incapacidade de soletração afeta 26% da população em geral, na média. 

No caso do Brasil, os valores consolidados até 2011 são os seguintes:

Analfabeto e rudimentar/Analfabetos funcionais: passaram de 39% em 2001 para 27% em 2011
Básico e pleno/Alfabetizados funcionalmente: de 61% em 2011 para 73% em 2011.

Em termos populacionais, o Brasil tinha em 2011 cerca de 52,4 milhões analfabetos funcionais, num universo de cerca de 194 milhões de pessoas. Ou seja, tínhamos em 2011 um contingente de analfabetos funcionais equivalente a um Myanmar (ex- Birmânia) inteiro ou cerca de 110% da Espanha toda. Temos, sem dúvida nenhuma, um longuíssimo caminho pela frente.

Mapa-múndi da taxa de alfabetização (clique na imagem para ampliá-la):

 
Mapa-múndi da taxa de alfabetização por país em 2011 (Relatório de Desenvolvimento Humano da ONU de 2011). Não há dados disponíveis para a área em cinza.]



domingo, 21 de julho de 2013

Desmascarando a administração de Dona Dilma (18) -- O fantasma da órfã

[Reproduzo a seguira coluna do João Ubaldo Ribeiro pubicada hoje no O Globo.]

Atribuem ao presidente Kennedy a observação de que a vitória tem muitos pais, mas a derrota é órfã. Melancólica verdade, sobretudo na política, que sempre a confirma sem perdão, bastando ver como as mãos políticas que hoje afagam são as mesmas que ontem apedrejavam e vice-versa. Em nosso caso, temos ainda uma tradição de adesismo por que zelar, bem como a prevalência do Sonho Brasileiro, que é descolar uma mamata vitalícia em algum lugar do governo ou do estado, porque aqui governo e estado são a mesma coisa. Entra um governo novo e declara “o estado é nosso e só faz o que nós queremos”. Isso torna impossível a realização do sonho sem que o sonhador abandone o inditoso derrotado e passe para o lado do futuroso vencedor. Suponho que devemos encarar essas coisas com compreensão e até caridade, pois o pessoal está apenas querendo sobreviver e subir na vida, é natural.

Vários outros princípios e paradigmas de conduta estão também envolvidos na questão, entre os quais sobressai o “farinha pouca, meu pirão primeiro”, farol ético que parece nortear nossa formação coletiva, tal o vigor com que se evidencia no comportamento de nossos governantes. Às vezes penso que a frase devia constar de algum emblema nacional, é muito injusto que não receba o reconhecimento merecido. No momento, a farinha ainda não está propriamente pouca, mas há sempre os previdentes, que não querem deixar seu pirão aos cuidados do acaso. Melhor tratar de farejar os ares e descortinar por onde anda a temível assombração da derrota, para ir-se afastando dela quanto antes. Não sei se já começou a debandada, mas acho que pelo menos há alguns sinais dela, difusos nos noticiários e comentários políticos.

O moral do governo não parece andar muito alto. O saco de gatos dos ministérios é um espetáculo triste, desanimado, desarvorado e sem aparentar saber muito para onde ir, ou o que fazer. Ninguém — arrisco-me a dizer que nem mesmo a presidente — é capaz de lembrar todos os ministérios e muito menos todos os ministros. Sabe-se que muitos destes se esgueiram obscuramente pelos corredores e salas dos fundos do poder, sem sequer terem a chance de dar um bom-dia à presidente, quanto mais de despachar alguma coisa. Fica aquela pasmaceira, interrompida por momentos de falatório vago e repetitivo, que não prenunciam nada de importante. E há, seguramente, ministros que, se perguntados de surpresa, não saberão bem o que fazem suas pastas, acrescido o pormenor de que vários ministérios, ou grande parte deles, não fazem nada mesmo, a não ser dar despesa.

A reação às manifestações de rua mostrou um esforço atarantado para manter a aparência de calma, equilíbrio e controle da situação, quando era visível que não havia nada disso e estava todo mundo de olho arregalado e sem saber o que dizer ou, pior ainda, fazer. Comentou-se em toda parte que, como já teria acontecido antes com frequência, a presidente peregrinou ao ex-presidente, para saber dele como agir, porque ela mesma não fazia ideia, o que vem sublinhando a imagem de despreparo e insegurança mal articulada que ela cada vez mais projeta. Ouvidos também os vizires do momento, saiu do Planalto uma voz chocha e pouco inspiradora, naquele tom de professora repetindo uma aula decorada a contragosto e sem nenhum entusiasmo ou até confiança, propondo absurdos, tentando espertezas quase amadorísticas e, em última análise, mostrando a incompetência do esquema que a rodeia.

A tal governabilidade, que tanto mal tem produzido, tão pouco bem tem causado e nunca funcionou direito, servindo basicamente para o intricado jogo das nomeações, colocações, favores e outros objetivos dos nossos homens públicos, está cada vez mais caindo pelas tabelas. Todo dia um cai fora, outro proclama dissidência e independência, formam-se alas e subalas, o rebuliço surdinado é grande. A turma da base aliada, que sempre deu trabalho e aporrinhação e nunca agiu pelos belos olhos da nação, começa a enxergar um governo fraco e a querer distância dele, ainda mais com as ruas pressionando. A corte continua lá, o ex-presidente continua lá, mas é de se acreditar que, de agora em diante, a solidão da presidente vai agravar-se.

A inflação está voltando e as negativas e bravatas das autoridades não convencem, diante da realidade dos preços. As declarações otimistas do ministro da Fazenda são recebidas quase com deboche. O crescimento é minguado, e a economia cambaleia cada vez mais e o governo caracteriza seu comportamento por ações meramente conjunturais e pontuais, respondendo de forma superficial e casuística aos problemas que aparecem. Os índices de popularidade da presidente desabaram e mesmo um antes improvável segundo turno nas eleições já está sendo previsto. Até uma surpreendente vaia de prefeitos ela tomou em Brasília. Tudo isso com certeza provoca inquietude na alma e comichões nos pés de quem quer ficar longe da órfã derrota.

Para completar o quadro, o governo não dispõe de um Big Bang para apresentar, no encerramento destes seus quatro anos. Nenhuma grande obra, nenhum grande passo, nenhum grande marco. Inflação subindo, PIB baixando, educação alarmante, saúde escangalhada, infraestrutura desmantelada, transporte urbano infernal, segurança pública impotente, estrutura fiscal pervertida, ferrovia Norte-Sul em descalabro, transposição do São Francisco roubada e sucateada — nada a apresentar, nada a trombetear, nada a comemorar. A propalada truculência da presidente está virando folclore e em lugar de força, mais parece denunciar exasperação impotente. Cara de derrota para o governo e ninguém vai querer ser o pai dela. Mas receio que não terão dificuldade em apontar a mãe.

A segurança do Papa Francisco no Rio aumenta a tensão entre o Vaticano e o Brasil

[Reproduzo a seguir a reportagem publicada ontem pelo respeitado jornal espanhol El País. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

As palavras estão marcadas pela suavidade da linguagem diplomática, mas não encobrem a tensão entre Roma e o Brasil por causa da segurança do papa Francisco, que visita o Rio de Janeiro na semana que vem [é um equívoco mencionar "Roma" e não Vaticano -- Roma é a capital de outro Estado, a Itália]. O papa argentino chega num momento especial. O Brasil está vivendo uma espécie de revolução social e política marcada por manifestações de protesto contra os políticos nas ruas e praças.

Os serviços secretos brasileiros detectaram que a presença do primeiro papa das Américas em território latino-americano levará novamente às ruas milhares de pessoas para reivindicar direitos sociais, e considera as manifestações, que já estão sendo convocadas pelas redes sociais, “o maior perigo para a sua segurança”. O temor fez as autoridades aumentarem de 10.000 para 14.000 o número de policiais e militares encarregados dia e noite da proteção do pontífice numa cidade que, em si, já é violenta. [O Papa precisa inquietar-se, e muito, com a eficiência desses tais "servicos secretos brasileiros" -- o que eles dizem ter "detectado" é uma obviedade ofuscante e nada secreta. Esses caras estão há dois meses mais perdidos que cego em tiroteio com as manifestações de rua em si e com seus bastidores.]

Em Roma, o porta-voz do papa, Federico Lombardi, limitou-se a declarar “confiança total” na segurança do Brasil, ao mesmo tempo em que foi taxativo: “não haverá mudanças no programa da visita”. Foi a sua resposta à ideia das autoridades do Rio de modificar alguns pontos do itinerário papal ao saberem que os protestos sociais se intensificarão.

As autoridades brasileiras tentaram evitar o encontro de Francisco com a presidente Dilma Rousseff, o governador do Rio, Sérgio Cabral e o prefeito da Cidade, Eduardo Paes, no Palácio Guanabara, sede do governo do estado do Rio de Janeiro, onde está prevista uma manifestação de protesto contra o governador e o prefeito. Pensaram que seria melhor o papa se encontrar com as autoridades no aeroporto Tom Jobim, longe da cidade e das manifestações, mas Francisco não cedeu.

As forças de segurança culpam as manifestações pelo possível perigo para a segurança do papa, mas em Roma mandaram dizer que os protestos “não são contra o papa, mas contra os políticos”. Além disso, afirmou o cardeal arcebispo de São Paulo, Odilo Scherer, Francisco “apoia as reivindicações sociais dos jovens” e inclusive dedicará a elas um dos discursos que fará ao milhão de jovens que vai se concentrar na cidade na Jornada Mundial da Juventude (JMJ).

O papa dispensou o papamóvel blindado e anunciou que usará o jipe aberto que usa em Roma para encontrar com os fieis. O papamóvel blindado também foi trazido para o Rio, mas o papa pediu que o “desblindassem”, isto é, que retirassem os vidros à prova de balas. Além disso, Francisco mandou dizer que “não quer homens armados com fuzis” ao seu lado quando desfilar pelas ruas ao encontro dos jovens e dos fieis. Diplomaticamente, o ministro da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, respondeu a Roma que no Brasil “o povo protegerá a vida do papa Francisco”.

O prefeito do Rio tentou convencer a população a não aproveitar a presença do papa e dos cerca de 6 mil jornalistas do mundo todo para irem às ruas com reivindicações sociais. “O papa não é culpado pelos pecados dos políticos. Ele é um elemento de união”, disse ele em uma conferência de imprensa. O prefeito chegou a dizer que os políticos acusados de corrupção pela opinião pública “deviam aproveitar a ocasião e confessar os seus pecados ao papa”. [Dudu Paes, prefeito e humorista.]

Se os serviços secretos não se equivocarem, os desejos do jovem prefeito carioca não serão atendidos. As pessoas apresentarão reivindicações sociais ao papa Francisco mesmo com toda a blindagem militar, e provavelmente os políticos manterão os seus pecados bem guardados nos bolsos.

Em resposta às acusações populares de desperdício de dinheiro público dos políticos, o presidente do Senado, Renan Calheiros, decidiu não cobrir os gastos de muitos deputados e senadores que tinham solicitado transporte para o Rio para encontrar o papa Francisco à custa do erário público. [Era só que faltava, o contribuinte pagar romaria de político! A questão dos custos da viagem do Papa em território brasileiro tem sido enfocada erroneamente, reclamando-se deles por sermos um Estado laico. O problema é que o Papa é também, e indissoluvelmente, um chefe de Estado e como tal tem que ser tratado. Essa dualidade papal tem sido usada dubiamente pela Igreja para "justificar", por exemplo, a visita a ditaduras e ditadores, como no caso da visita de João Paulo II ao Chile e a Pinochet em abril de 1987. É a velha e inexplicável "dificuldade" da Igreja Católica para lidar com problemas terrenos, como por exemplo a pedofilia disseminada de cardeais, bispos e padres, acobertada há décadas pelo Vaticano.

Por falar em custos da viagem papal ao Brasil, só a recepção no Palácio Guanabara custará R$ 850.000,00 aos cofres públicos. Prevista para 650 pessoas, cada participante custará cerca de R$ 1.300,00 ao contribuinte fluminense. Pergunta inocente: que critérios nortearam a escolha desse mundão de 650 pessoas?!]

sábado, 20 de julho de 2013

Oncologistas e matemáticos unem forças

[O texto abaixo é da autoria do biólogo Fernando Reinach e foi publicado hoje no jornal O Estado de S. Paulo.]

O tratamento do câncer está prestes a sofrer uma reviravolta. Para melhor. Matemáticos especializados em teoria da evolução e biologistas moleculares demonstraram que o tratamento simultâneo com duas ou mais drogas pode levar ao desaparecimento de tumores antes incuráveis. A lógica que permitiu o controle do HIV talvez funcione para eliminar tumores.

Há décadas sabemos que o câncer é causado pelo aparecimento de células com mutações em genes que controlam sua divisão. Essas mutações foram descobertas na década de 1980, mas demorou 30 anos para surgirem drogas capazes de matar de maneira específica células que carregam essas mutações.

Nos últimos anos a quimioterapia foi revolucionada pelo uso dessas drogas. Quando usadas em tumores que possuem a mutação para a qual foram desenvolvidas, matam rapidamente as células e o tumor diminui rapidamente. Mas, com o sucesso, veio a frustração.

Em praticamente 100% dos casos o tumor volta, pois surgem células com novas mutações, resistentes à droga já usada. Um segundo "round" de tratamento é iniciado, com outra droga, e ele inicialmente funciona. Mas o tumor volta, agora com uma terceira mutação, resistente às duas primeiras drogas. Se existir uma droga para a terceira mutação, um novo ciclo de químio é iniciado. A guerra continua até o médico não dispor de mais armas. Aí o câncer vence. O resultado é que a sobrevida do paciente aumenta, mas a taxa de cura não se altera.

Nos últimos anos, para desespero dos médicos, foi descoberto que já no tumor original pode estar presente um número pequeno de células resistentes à primeira droga. Em outros casos, as células resistentes surgem durante o tratamento. Essas descobertas levaram muitos oncologistas a considerar a possibilidade de utilizar mais de uma droga já no inicio do tratamento. Mas essa ideia gerou muita discussão: o custo do tratamento aumenta e o médico deixa de ter uma segunda "arma" a sua disposição caso perca a primeira batalha.

A novidade é que matemáticos especializados em modelagem de processos evolutivos se associaram a biologistas moleculares que estudam as mutações que causam o câncer e sua resposta aos novos quimioterápicos. O objetivo foi construir um modelo matemático capaz de descrever o surgimento de novas mutações nas células presentes em um tumor e prever como as diversas populações (cada uma com um grupo diferente de mutações) se comporta quando submetida a diversas combinações de quimioterápicos.

Os modelos foram construídos e calibrados usando dados obtidos durante o tratamento de 20 pacientes com tumores sólidos como melanomas, câncer de cólon e de pâncreas. A velocidade com que as células se dividem, o número de células presentes, a frequência de cada tipo de célula, a taxa de surgimento de mutações novas e a velocidade com que as células morrem durante cada tratamento foram determinadas experimentalmente e colocadas no modelo. Em seguida, o modelo foi usado para prever o que acontecia com os pacientes ao longo do tempo quando submetidos a diferentes tratamentos. Os resultados demonstraram que o modelo explica e prediz o desenvolvimento da doença.

Validado o modelo, ele foi usado para entender qual a melhor combinação de drogas, em que ordem devem ser administradas e como tumores de diversos tamanhos e composição respondem aos diferentes tipos de combinação. Os resultados são impressionantes. Aqui vai um exemplo. Se o paciente tiver no seu corpo um melanoma com 9,8 x 1010 células (cem bilhões de células cancerosas), espalhadas por oito metástases, a chance de curar esse paciente com tratamentos sequencias, usando uma droga de cada vez, é zero. Mas, se forem usadas duas drogas simultaneamente, a chance de cura sobe para 88%. E esse resultado se repete com diversos tipos de tumores e drogas. O uso combinado de mais de uma droga, já na primeira batalha, parece aumentar muito as chances de cura.

Esse modelo torna possível prever o que deve ocorrer se diferentes estratégias de tratamento forem utilizadas. Isso facilita o planejamento de novos estudos e permite adequar a estratégia para cada paciente.

Nos próximos anos é provável que esse modelo seja testado e aperfeiçoado, o que seguramente permitirá planejar e acompanhar de maneira científica o tratamento de cada tumor, aumentando a taxa de sucesso. No curto prazo, os resultados preliminares provavelmente vão convencer muitos médicos a testar protocolos que utilizam duas ou mais drogas simultaneamente logo no início do tratamento.

O uso de um coquetel de drogas foi o que permitiu o controle do HIV, o vírus que causa a aids. E a lógica por trás de seu uso é exatamente a mesma.

Esses modelos só puderam ser desenvolvidos porque matemáticos foram financiados durante décadas para construir modelos capazes de estudar processos tão diferentes como o altruísmo em populações, o problema do dilema dos prisioneiros e o surgimento de processos cooperativos nas sociedades. É um exemplo da importância de se financiar projetos que aparentemente têm pouco uso prático. Quando menos se espera, esses conhecimentos podem revolucionar algo tão prático e importante como a cura do câncer. 

Ver mais detalhes em "Evolutionary Dynamics of Cancer in Response to Targeted combination Therapy" - Ivana Bozic et al -- eLife 2013;2:E00747.