sábado, 14 de maio de 2016

Espécies invasoras: mosquitos tropicais se instalam no norte da Europa

[Traduzo a seguir reportagem de Irene Berres e Anna Behrend publicada no site Spiegel Online International. O mundo está cada vez mais global, também nas doenças. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

Uma fêmea do mosquito tigre asiático - (Foto: DPA/ James Gathany/ CDC)

Espécies invasoras de mosquitos dos trópicos há tempo se estabeleceram na Europa. Agora, estão se deslocando para o norte. Os cientistas estão preocupados especialmente com o mosquito tigre asiático, por sua capacidade de transportar patógenos [agentes biológicos capazes de causar doenças]

Quando o homem vindo da Índia viajou para o norte da Itália para visitar parentes em 2007, ele não suspeitava que sua viagem poderia provocar a morte de alguém. Ele carregava consigo o vírus da chikungunya, um patógeno que não existia na Itália. Após sua chegada, ele foi picado por um mosquito tigre asiático, que igualmente não é nativo da Itália. O mosquito espalhou o vírus ainda mais. 

Em pouco tempo, 200 pessoas no norte da Itália contraíram a febre chikungunya e uma pessoa morreu. Médicos foram capazes mais tarde de determinar que todo esse surto podia ser rastreado até aquele único visitante -- em combinação com o mosquito tigre asiático, que antes já havia se estabelecido nesse país mediterrâneo.

Também na Alemanha, onde o clima é mais fresco, cientistas encontraram igualmente espécimes desse inseto tropical, cujo nome científico é Aedes albopictus. O fato de que esses achados têm se tornado mais frequentes é um sinal de alerta para um desenvolvimento que está provocando grande preocupação entre os pesquisadores: números crescentes de espécies de mosquitos estão se deslocando da Ásia para a Europa. E muitos deles são transmissores eficientes de vírus perigosos. Para disseminar uma doença numa região na qual ela jamais foi vista, frequentemente basta que tais mosquitos piquem alguém que seja portador desse vírus, como aconteceu na Itália. 

Viajando em pneus e bambu

Ao contrário da opinião popular, a razão principal para a disseminação dos mosquitos não é a mudança climática, é a globalização. Para viajar amplamente, os insetos dependem dos seres humanos. Com seu curto espaço de vida, que geralmente dura poucas semanas, eles dispõem de pouco tempo para viajar grandes distâncias. De fato, eles frequentemente morrem a apenas poucos quilômetros de onde nasceram. Seus ovos, ao contrário, podem atravessar continentes e oceanos inteiros.

"Entre os maiores problemas está o comércio internacional de pneus usados", diz Helge Kampen, um especialista em mosquitos no Instituto Friedrich Loeffler, localizado na ilha Riems no Mar Báltico, no norte da Alemanha. "A Ásia é um exportador de pneus importante". Antes de serem colocados em navios, os pneus são frequentemente estocados ao ar livre. Quando chove e a água se deposita neles e os pneus apresentam condições perfeitas para os ovos das fêmeas do Aedes albopictus.

"Os insetos tendem a aderir seus ovos justo sobre a superfície da água parada", diz Kampen. Ali, podem sobreviver por meses e até anos, até que o nível da água suba e os submirja. Esse tempo é mais do que suficiente para embarcar e enviar os pneus -- junto com os ovos -- para a África, América ou Europa, onde novamente são geralmente estocados ao ar livre. Tão logo chova, as larvas despertam bem longe de seu local de origem.

Um meio adicional e muito mais fácil para os mosquitos viajarem é através de plantas domésticas, despachadas com água. Aqui também, as fêmeas depositam seus ovos logo sobre a superfície da água sem imaginar que seus filhotes embarcarão em uma longa jornada. "Quando chegam, geralmente verificamos que já se tornaram larvas", diz Kampen. Pesquisadores verificaram que plantas de mini-bambus, os denominados "bambus da sorte", são particularmente adequados para transportar esses ovos. Milhões deles são exportados em pequenas pipetas ou pratos cheios de água.

Disseminação de espécies invasoras de mosquitos na Europa

[Infelizmente a resolução das imagens não é boa, favor consultar o original da reportagem.]



Mosquito tigre asiático (Aedes albopictus)

Aedes japonicus

Mosquito da febre amarela (Aedes aegypti)

Áreas mais distantes: Canary Islands = Ilhas Canárias -- ◼︎ Estabelecidos -1) Evidência de reprodução e sobrevivência ao inverno; - ◼︎ Introduzidos - 2) Espécies introduzidas mas sem fixação/estabelecimento confirmado; - ◼︎ Ausentes - 3) Não foi relatada introdução ou estabelecimento; - ◼︎ Sem dados; - ◼︎ Desconhecido -- Fonte: Centro Europeu para Prevenção e Controle de Doenças, Janeiro de 2016 - Mapas: Spiegel Online

Hoje, quatro espécies de mosquitos nativas de outros continentes vivem agora na Europa. Uma é a do mosquito da febre amarela (Aedes aegypti), que transmite o vírus da zika, que atualmente se espalha no Brasil. Esta espécie atualmente se desloca para o oeste, partindo da costa leste do Mar Negro. "Esse, entretanto, é um mosquito que realmente gosta de climas tépidos", diz Kampen. "Os alemães não terão problemas com ele nas próximas décadas".

Uma outra espécie de mosquito, o Aedes japonicus, já se fixou na Alemanha, mas não é considerado ser um transmissor de patógenos particularmente eficiente. 

O Aedes japonicus já se fixou na Alemanha - (Foto: DPA / James Gathany / Centers for Disease Control)


Nesse aspecto, os pesquisadores consideram que o mosquito tigre asiático se constitui no maior perigo para o norte da Europa, que tomou um longo caminho para o continente europeu. Em 1985, pesquisadores encontraram o mosquito, com ovos e larvas, nos Estados Unidos. Lá, o inseto de clima mais cálido parece ter se adaptado a um clima mais frio.

Sem muita demora, seus ovos eram capazes até de suportar temperaturas congelantes -- e sua jornada continuou rumo à Europa. No início dos anos 1990, as espécies invasoras apareceram primeiro no norte da Itália e desde então foram encontrados em 29 países e se tornaram firmemente estabelecidos em 19 deles. "Quando um mosquito sobreviveu a um ou dois invernos, você pode assumir que ele está se fixando", diz Kampen. "Em uma população grande como essa, há sempre um número minúsculo que pode suportar condições extremas e então se multiplicar.

Na Alemanha, mosquitos tigres asiáticos ainda são uma raridade mas estão se tornando cada vez mais comuns. Frequentemente, eles se beneficiam de viajantes de férias vindo da Itália, Espanha ou sul da França, onde as espécies estão firmemente estabelecidas. "O mosquito tigre asiático é extremamente tenaz e agressivo", diz Kampen. Se seguirem seus anfitriões humanos em um carro, podem facilmente sobreviver à viagem rumo ao norte por centenas de quilômetros. Se coletarem sangue no trajeto e depois acharem um caminho para a liberdade, estarão prontos para depositar seus ovos. 


Espécies invasoras de mosquitos na Alemanha -- Locais onde foram encontradas populações do mosquito tigre asiático (Aedes albopictus) -- Locais onde foram encontradas populações de Aedes japonicus - Fontes: ZALF/FLI/KABS - Mapa: Der Spiegel

"Há indicações claras de que o mosquito já conseguiu hibernar na Alemanha", diz Kampen. Em 2014, pesquisadores encontraram os insetos em um cemitério logo a leste de Freiburg, no canto sudoeste da Alemanha. Em 2015, os mosquitos lá estavam novamente, mesmo embora não exista um posto de parada nas redondezas. "Mas, havia então um inverno leve. Não está claro se reapareceriam novamente num inverno rigoroso", diz Kampen. 

O pesquisador está preocupado com tais observações. Junto com outros cientistas, criou uma comissão de especialistas para estudar o problema dos mosquitos como transmissores de patógenos. Em seu primeiro artigo para definir uma posição, publicado em abril, os cientistas fazem um pedido para uma ação com relação ao mosquito tigre asiático. 

"Mesmo que a Alemanha não tenha experimentado um amplo estabelecimento do mosquito tigre asiático, as populações existentes desses insetor, locais ou regionais, como as Freiburg ou Heidelberg, podem ser suficientes no verão para o surto de epidemias em pequena escala", registra o artigo. "Assim, a presença do mosquito tigre asiático precisa desde já ser vista como uma ameaça à saúde pública".

Até agora, os mosquitos encontrados não carregam nenhum patógeno. Mas, são capazes de transmitir mais de 20 vírus, incluindo o vírus da dengue que, de acordo com o Instituto Robert Koch, foi trazido para a Alemanha por mais de 700 viajantes em 2015. Quando se trata do vírus chikungunya, médicos alemães relataram mais de 100 casos de introdução. "Nossa opinião é que se deve evitar completamente o estabelecimento desse mosquito no país", diz Kampen.  

Kampen considera que educação é o melhor meio de se atingir esse objetivo. O artigo conceitual propõe o envio de pessoal treinado porta a porta às áreas próximas dos locais onde uma população de mosquito tigre asiático tiver sido encontrada. Eles devem ser encarregados de encontrar e destruir locais possíveis para a produção desses mosquitos e, adicionalmente, educar os residentes locais sobre o fato de que os mosquitos precisam apenas de  um centímetro de água num vaso de planta para se  multiplicar. Além disso, as larvas deles podem ser facilmente destruídas com o uso de um veneno bactericida. 

Tais medidas, no entanto, custam dinheiro. "Enquanto só os mosquitos estiverem presentes, e não os patógenos, a legislação não exigem que os estados alemães tomem qualquer atitude", diz Kampen. Entretanto, o especialista  lentamente tem a sensação de que as pessoas estão tomando consciência do problema -- particularmente no estado alemão mais afetado, o de Baden-Württemberg. 


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