quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

4 argumentos a favor do uso de armas que os americanos estão de saco cheio de ouvir

[Traduzo a seguir o artigo de Amanda Marcotte publicado na revista Rolling Stone em outubro de 2015. Até 01/10/2015 haviam ocorrido nada menos de 264 assassinatos em massa de civis inocentes nos EUA, ou seja quase um crime desses por dia! O culto doentio e obsessivo ao porte de arma de fogo dos americanos é uma aberração absurda. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

O Colégio Comunitário Umpqua, no Oregon, foi o local do mais recente [até então] assassinato em massa nos EUA, em 01/10/2015 - (Foto: Ryan Kang/AP)

Mais um dia, mais um horrível assassinato em massa. Desta vez foi na pequena cidade de Roseburg, no Oregon, no campus do Colégio Comunitário Umpqua. Relatos apontam mais de duas dezenas de pessoas atingidas por arma de fogo.

Enquanto vítimas estão sendo levadas às pressas para um hospital, muitos críticos autoritários e políticos da direita estão certamente preparando seus argumentos sucintos para explicar porque o 264˚ assassinato em massa do ano não justifica que os EUA devam tornar mais rígido o acesso a armas de fogo letais. [Essa estatística relativa a 2015 cobre apenas até 01 de outubro desse ano. Dados posteriores mostram que até 31/12/2015 houve 372 tiroteios em massa nos EUA, com 475 mortos e 1.870 feridos. Estas estatísticas seguem o conceito da organização Mass Shooting Tracker (Rastreador de Tiroteios em Massa, em tradução direta), que define assim todo incidente dessa natureza em que pelo menos 4 pessoas são mortas ou feridas.]

2015: o ano dos assassinatos em massa nos EUA - (Mapa: Rolling Stone)

OK, caras, eu detesto detalhar isso para vocês, mas ouvimos vocês numa primeira vez. E pela segunda vez. E em centenas de vezes, desde que nosso país luta com uma ansiedade individual de eliminar tantas vidas quantas for possível com uma arma de fogo. Podemos recitar seus argumentos quando dormimos, e eles não melhoraram com a repetição. 

1. "Armas não matam pessoas. Pessoas matam pessoas"

Este é um argumento fantástico para quem não sabe diferenciar entre uma morte e dezenas de mortes. Certamente, um assassino pode matar uma pessoa ou duas com uma faca até que o impeçam de prosseguir. Mas, para realmente acumular aquelas contagens de mortes de explodir nossas mentes -- para garantir que muitas vidas sejam destruídas e famílias arruinadas num intervalo de 5 a 10 minutos -- você precisa de uma arma de fogo. Se tudo com que você se preocupa é repartir a culpa e declarar que alguém tem ou não tem a intenção de matar, então sem dúvida alguma afirme que uma faca e uma arma de fogo são armas equivalentes. Para aqueles entre nós que, entretanto, estão mais preocupados com uma maneira de prevenir mortes desnecessárias do que simplesmente admitir que existe ódio nos corações de algumas pessoas, o montante de dano absoluto que uma arma de fogo pode fazer justifica limitar quem possa botar as mãos em uma delas.

2. "A única coisa que pode parar uma pessoa má com uma arma é uma pessoa boa com uma arma"

Se você prefere frases incisivas a duras evidências, posso ver como isso seria convincente. Mas se você olhar para o mundo real, você descobrirá que longe de serem nossa única esperança bons rapazes com armas dificilmente representam qualquer tipo de ajuda. Nenhum assassinato em massa nos últimos 30 anos foi impedido por um civil armado; em 1982, um civil armado conseguiu matar um atirador, mas apenas depois dele ter cometido seu crime. 

Também não se trata de que não existam armas o bastante. Há tantas armas quanto pessoas neste país, e plenamente um terço da população está armado. Mesmo quando o tiroteio ocorre em locais em que armas de  fogo são bem-vindas, onde pessoas armadas certamente estão por perto, esse cenário vigilante simplesmente não funciona. Isso porque sacar uma arma e atirar de volta no caos de um assassinato em massa apenas faz com que as coisas piorem, como se verificou quando um pretenso herói no atentado a tiro contra Gabby Giffords [política do Arizona] quase matou o homem errado (o real atirador foi atacado por um homem idoso). 

3. "Saúde mental, porém"

Opositores do controle de armas adoram trazer ao debate o problema da inadequada atenção à saúde mental, depois que ocorre um tiroteio. Isso é feito unicamente para desviar a atenção, porque não há indicação de que os republicanos jamais um dia trabalharão por uma reforma significativa dos nossos sistemas de saúde mental -- que, é verdade, são deploravelmente inadequados. Esse é um tema que só lhes interessa na imediata sequência de um tiroteio -- depois, é esquecido, até que ocorra outro tiroteio. Limpa, repete. 

Igualmente, a estratégia da "saúde mental" nesse contexto é sempre vaga. Qual é realmente o plano?  Juntar todo mundo que tenha um problema de natureza mental e colocá-los sob chaves? Isso afeta 1 em cada 5 americanos, a vasta maioria dos quais não tem tendências violentas. Temos algum tipo de registro abrangente sobre saúde mental? Há muitos americanos que lutam contra questões de saúde mental que, entretanto, não foram diagnosticados. Colocá-los numa lista do governo que restringe seus direitos não é uma boa maneira de induzir a que tenham um diagnóstico. Há um bocado de atiradores neste país, portanto temos bastante dados bons sobre atiradores que alvejam grupos de pessoas. E esses dados mostram que não há nenhum modo confiável para dizer quem saiu da linha dessa maneira, e apenas 23% dos atiradores têm um diagnóstico. Mesmo que todos esses indivíduos tivessem um tratamento 5 estrelas, o sistema conseguiria impedir de agir apenas uns poucos atiradores. 

4. "É a Segunda Emenda, baby"

Eis um bom momento para lembrar a todo mundo que a Segunda Emenda foi escrita por senhores de escravos, antes de que tivéssemos eletricidade e muito menos o tipo de armamento que assassinos potenciais podem comprar hoje. Mas, com certeza, se você acha que isso é tão precioso podemos chegar a um acordo: se você ama tanto a Segunda Emenda, sinta-se livre para viver com uma peruca empoada e evacuar num pinico, enquanto tenta sobreviver com o que você pode matar com um mosquete do século 18. Em troca, deixe-nos -- nós que vivemos neste século -- aprovar algumas leis, de modo que nos sintamos seguros para ir à escola, ou ao cinema, ou para qualquer lugar, sem que tenhamos que nos preocupar com a possibilidade de que algum desajustado tenha sua vingança provocando a morte de estranhos aleatoriamente.

[Ver também: 

Deixar crianças usar armas de fogo é bom para elas, diz artigo da revista Time

Inacreditável: treinamento militar para crianças nos EUA]








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