quarta-feira, 19 de março de 2014

Brasília, nossa Ilha da Fantasia -- sua fauna política e suas histórias nada educativas

Brasília é uma cidade, como qualquer outra, que desperta paixões, indiferenças ou até mesmo ojeriza. Estou entre os dois últimos blocos, jamais conseguiria viver ali, mas conheço toneladas de gente apaixonada pela cidade.

A cidade pode ser uma vitrine do ponto de vista arquitetônico, mas seu arranjo urbano e social é a meu ver muito esquisito, dizendo o mínimo. Com sua peculiar visão socialista, seus criadores geraram uma cidade cheia de "bolsões" ou "guetos"-- é quadra disso, quadra daquilo, áreas só residenciais, área só de Ministérios, e por aí vai. Lembro-me da chatice que é chegar cedo demais para uma reunião em qualquer Ministério -- como não há nada comercial por perto, onde se possa tomar sequer um cafezinho, o remédio (castigo) é ficar preso na mesmice das salas de espera, a maioria delas com decoração extremamente similar. Um porre.

Outro "defeito" de Brasília é que jamais se prestará a sofrer pressões por passeatas e manifestações públicas, seus espaços são amplos demais -- o Eixo Monumental (o "corpo do avião") então, nem se fala. Aí os manifestantes partem para a boçalidade, para o vandalismo. Em contrapartida, o horizonte perde-se de vista e pode-se perceber a quilômetros qualquer agrupamento humano. Esta vantagem, infelizmente, fica sem proveito algum porque as equipes de segurança do Palácio do Planalto e dos Ministérios são compostas todas por míopes e ceguetas, físicos e "políticos", que só "percebem" que há alguma manifestação pública quando o pau já está comendo e o quebra-quebra já se instalou.

O isolamento físico de Brasília do resto do país criou um ambiente de cultura mais do que propício para a proliferação desenfreada dos piores germes e vermes da política nacional. Ali o "você sabe com quem fala?" é o mantra padrão, e as mutretas, pilantragens e o baixíssimo padrão ético e moral dos políticos correm soltos em todos os setores da vida da cidade -- quase sempre, via de regra, com repercussão na vida de todos nós como cidadãos e contribuintes. Além da população flutuante dos políticos, a cidade é um gigantesco acampamento de seus afilhados e capachos.

Para ilustrar a excepcionalidade negativa de Brasília, pincei alguns exemplos bem recentes de fatos bizarros (uns pouquíssimos) e revoltantes (a vastíssima maioria) ocorridos na capital federal:

  • Alunos da rede pública de educação do Distrito Federal receberam camisetas de uniforme com erro de grafia, com a palavra "encino" em vez de "ensino", confeccionadas pelo governo local -- a Secretaria de Educação do DF fala em "sabotagem" e diz que a polícia foi acionada.
  • Cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE-DF) em 2010, por infidelidade partidária, José Roberto Arruda (PR-DF) tem um currículo-prontuário tão limpo quanto o chão de um chiqueiro. Foi filmado recebendo propina e foi condenado por improbidade administrativa em 2008, por ter feito um contrato sem licitação para a realização de uma partida amistosa entre Brasil e Portugal. Como vai recorrer, ou já recorreu, está liberado para concorrer em outubro ao cargo de governador do DF e já lançou sua candidatura "irreversível".  Mais um show de interpretação da nossa Justiça, que se deleita em jogar a venda e a balança p'ro alto e se transformar em Quasímodo.
  • Arruda escolheu para ser sua vice a deputada distrital Liliane Roriz (PRTB-DF), filha caçula do ex-governador Joaquim Roriz. Ela é irmã de Jaqueline Roriz, que também foi filmada recebendo dinheiro de propina de Durval Barbosa, delator do mensalão do DEM no Distrito Federal, no mesmo contexto em que Arruda também foi comprado. Parece que Arruda, por vias indiretas, resolveu homenagear sua colega de propinoduto. Liliane deu nesta semana uma cartada política, convidando para trabalhar na área técnica de seu gabinete parlamentar um dos irmãos do ministro Joaquim Barbosa, Gualberto de Sousa Barbosa Gomes, 44 anos, servidor de carreira da Secretaria de Fazenda do GDF. 
  • Agnelo Queiroz (PT-DF) é governador do DF desde 01/01/2011. É um homem de grandes tacadas. É o responsável pelas obras de reforma do estádio Mané Garrincha, orçadas em R$ 700 milhões em 2010 e que hoje já chegaram a R$ 1,4 bilhão, o que fez desse empreendimento a arena mais cara da Copa do Mundo no país. Segundo o Tribunal de Contas do DF, as obras têm indícios de superfaturamento de R$ 431 milhões. Agnelo e seu partido, o PT, estão se lixando para essas acusações, lembrando a velha marchinha carnavalesca que dizia "não importa que a mula manque, eu quero é rosetar". 
  • Mas, não é só em obras que Agnelo escorrega no quiabo. Na política ele usa também a esculhambada cartilha moral petista. Como governador, ele é também o responsável pelo presídio da Papuda, onde estão presos os mensaleiros condenados pelo STF (entre eles José Dirceu e Delúbio Soares), e é nessa função que garante as mordomias absurdas concedidas aos pilantras do mensalão. O Ministério Público (MP) do DF encaminhou à Vara de Execuções Penais em 25/2/2014 pedido para que o governador Agnelo Queiroz acabe com os privilégios concedidos àqueles pilantras, caso contrário pedirá a transferência desses prisioneiros para penitenciárias federais (ver postagem anterior sobre as mordomias dos mensaleiros). Como Agnelo não demonstrou qualquer intenção de colaborar com a Justiça, o MP do DF informou em 17 de março que uma representação deve ser encaminhada ao STF com a sugestão de transferência dos presos para um presídio federal.
  • Como bom pilantra, Agnelo esconde o que faz de errado e no dia 20/2 fez uma visita secreta aos mensaleiros na Papuda, visita essa omitida em sua agenda oficial. 
  • Não dá para listar aqui as safanagens e pilantragens de boa parte dos mais de 600 inquilinos do Congresso Nacional, isso exige uma coleção de tomos praticamente infindável. Basta apenas citar o fascínio que essa galera tem por viagens de avião -- a qualquer momento tem um deles a bordo de um jato da AeroFAB. Quando não é o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) é o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN). Essa turma só se aborrece quando tem de disputar avião com ministro, como no caso recente do ministro da Saúde.  Quem sabe o formato do Plano Piloto fez com que nossos malandros congressistas se transformassem em viciados por um aviãozinho?
  • O Senado está se mostrando um ninho de globe trotters, os senadores estão viajando adoidado. Suas despesas com viagens dispararam e subiram 148% (pagas evidentemente com dinheiro do contribuinte). Gastos com deslocamentos nacionais e internacionais somaram R$ 499 mil em 2013, mais que o dobro de 2011. Um dos destinos preferidos dos senadores é Nova Iorque, e a desculpa é participar de paineis de debates da ONU ... Entre os habitués da cidade da maçã estão os senadores Antonio Carlos Valadares (PSB-SE) -- que desde 2010 viaja anualmente para lá e no ano passado recebeu R$ 6.901 pelo pagamento de 7 diárias -- e Jorge Viana (PT-AC), vice-presidente do Senado. Viana também vai com frequência a Nova Iorque. No ano passado, ele recebeu R$ 8.798 como pagamento de nove diárias para participar da Assembleia Geral da ONU. Mas Viana esteve na cidade antes do início do evento e saiu justamente no dia oficial da abertura, que é tradicionalmente marcada pelo discurso do presidente brasileiro. No caso, da presidente Dilma Rousseff.
Sei que no fundo Oscar Niemayer e Lucio Costa não tem nada a ver com o fato de Brasíla ter se transformado na metrópole da malandragem política da pior estirpe, mas -- como diz aquela frase que rola na Internet, falsamente atribuída a Niemayer -- teria sido melhor e mais coerente que o Plano Piloto tivesse o formato de um camburão e não de um avião.

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