sexta-feira, 5 de junho de 2015

Judiciário brasileiro, uma casta de privilegiados

Na Índia, as castas configuram um sistema de estratificação social explícito e reconhecido por todos. No Brasil, o tal país "sem preconceitos e castas", os estratos sociais e profissionais se multiplicam, a população se faz de cega e surda e os aproveitadores deitam e rolam com o dinheiro do contribuinte. Por todos os lados, o que mais se vê são bandos de privilegiados formais que usufruem de regalias e mordomias absurdas, em flagrante escárnio a outros segmentos da sociedade. Isso ocorre fartamente nos três poderes republicanos, mas o Judiciário tem assumido uma inadmissível posição de destaque nesse mar de privilégios obscenos. 

O histórico do nosso Judiciário está repleto de exemplos abusivos, que vão de procedimentos moleques de juízes  -- ver "Um juiz de Direito, Deus e o trânsito" -- a regalias financeiras e outras absolutamente indecentes (ver "A farra das férias acumuladas de nossos juízes togados"). Sem falar no juiz que foi pego dirigindo um Porsche de Eike Batista no Rio, arrestado por ele em um processo contra o empresário sob sua responsabilidade. Outro exemplo: os juízes e servidores do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro passarão a contar com um benefício a mais no fim do mês: o auxílio-educação. O projeto de lei que prevê o pagamento de R$ 953,47 por filho, para o custeio das despesas com a escola foi aprovado em 26 de maio p.p. pela Assembleia Legislativa fluminense. 

O valor será pago todo mês a juízes e servidores com até três filhos, em idade entre 8 e 24 anos. O projeto de lei foi elaborado pelo próprio TJ-RJ sob a alegação de se promover a simetria com o Ministério Público estadual, que já recebe auxílio semelhante. O dinheiro sairá do Fundo Especial do TJ-RJ, composto pela arrecadação com taxas judiciárias e custas judiciais. A população fluminense foi tocaiada por uma das associações mais funestas que se pode ter, a de juízes com deputados estaduais. Criou-se assim mais uma casta, a de filhinhos de juízes e servidores do TJ-RJ -- por que eles merecem favores e privilégios que milhões de outros brasileiros, contribuintes como eles ou seus pais, não recebem?!

Em 02 do corrente mês de junho, o historiador Marco Antonio publicou um artigo devastador sobre a dinheirama absurda com que se locupletam ministros do STJ - Superior Tribunal de Justiça. Usando dados do próprio site do STJ (www.stj.jus.br), Villa revela dados que chama de estarrecedores -- e realmente o são -- relativos à gestão anual de 2013, a mais recente disponível naquele portal.

Segundo o artigo, o orçamento foi de R$ 1.040.063.433,00! Somente para o pagamento de aposentadorias e pensionistas foram despendidos R$ 236.793.466,87, cerca de um quarto do orçamento. Para os vencimentos de pessoal, foi gasta a incrível quantia de R$ 442.321.408,00. Ou seja, para o pagamento de pessoal e das pensões e aposentadorias, o STJ reservou dois terços de seu orçamento.

Setembro é considerado o mês das flores, continua o artigo. Mas no STJ é o mês do Papai Noel. O bom velhinho, três meses antes do Natal, em 2014, chegou com seu trenó recheado de reais. Somente a dois ministros aposentados pagou quase 1 milhão de reais. Arnaldo Esteves Lima ganhou R$ 474.850,56 e Aldir Passarinho, R$ 428.148,16 -- os dois somados receberam o correspondente ao valor aposentadoria de 1.247 brasileiros. A ministra Assusete Dumont Reis Magalhães embolsou de rendimentos R$ 446.833,87, o ministro Francisco Cândido de Melo Falcão de Neto foi aquinhoado com R$ 422.899,18, mas sortudo mesmo foi o ministro Benedito Gonçalves, que abocanhou a módica quantia de R$ 594.379,97. Também em setembro, o ministro Luiz Alberto Gurgel de Faria recebeu R$ 446.590,41. Em novembro do mesmo ano, a ministra Nancy Andrighi foi contemplada no seu contracheque com R$ 674.927,55, à época correspondentes a 932 salários mínimos, o que -- incluindo o décimo terceiro salário -- um trabalhador levaria para receber 71 anos de labuta contínua.

Villa afirma que nos dados disponibilizados na rede é impossível encontrar um mês, somente um mês, em que ministros ou servidores -- não exemplificou casos de funcionários, e são vários, para não cansar (ou indignar?) ainda mais os leitores -- não receberam acima do teto constitucional. São inexplicáveis esses recebimentos, diz ele. Claro que a artimanha, recheada de legalismo oportunista (não é salário, é "rendimento"), é de que tudo é legal. Deve ser, presumo. Mas é inegável que é imoral, conclui Villa [também acho].

Em maio de 2015, o quantitativo de cargos efetivos era de 2.930 (eram 2.737 em 2014). Destes, 1.817 exerciam cargos em comissão ou funções de confiança (eram 1.406 em 2014). Dos trabalhadores terceirizados, o STJ tem no campo da segurança um verdadeiro exército privado: 249 vigilantes. De motoristas são 120. Chama a atenção a dedicação à boa alimentação dos ministros e servidores. São quatro cozinheiras, 29 garçons, 5 garçonetes e 54 copeiros. Na longa lista -- são 1.573 nomes em 99 páginas -- temos pedagogas, médicos, encanadores, bombeiros, repórteres fotográficos, recepcionistas, borracheiros, engenheiros, auxiliares de educação infantil, marceneiros,jardineiros, lustradores e até jauzeiros (que eu não sei o que é) [sic]. [Info: jauzeiro é limpador de janelas.]

Para assistência médica, incluindo familiares, foram gastos em apenas um ano R$ 63 milhões e R$ 4 milhões para assistência pré-escolar. Pela quantia despendida em auxílio-alimentação -- quase R$ 25 milhões -- Villa acredita ( e eu também) que se faz necessário um programa de emagrecimento de ministros e servidores. Villa informa ainda que o STJ dispões de uma frota de 146 veículos (57 GM/Ômega, 13 Renault/Fluence, 7 GM/Vectra, e mais 68 veículos de serviços [isto dá um total de 145 veículos e não 146]. Como há 33 ministros no STJ, tem-se que cada excelência conta com mais de 4 veículos à sua disposição.

Em seu artigo, Marco Antonio Villa faz uma salada de números quando afirma que "como foi exposto", há no STJ 2.840 servidores efetivos e mais 1.537 terceirizados, perfazendo um total de 4.413 servidores para um simples tribunal, o que parece demasiado. Na realidade, estes últimos números não constam do texto anterior do artigo. Villa cita ainda que, em 2013, havia ainda 523 estagiários, levando o total de servidores a 4.936 funcionários [uma média de 133 funcionários para ministro].

Os números acima são simplesmente espantosos (repito eu e não Villa), e caracterizam inequivocamente que o STJ é um centro de privilegiados sanguessugas do país. 

Sintomaticamente, logo após as denúncias devastadoras de Marco Antonio Villa, o STJ vem a público através de seu presidente Francisco Falcão em artigo publicado também no Globo, em 04 do corrente junho ("STJ, a Justiça com eficácia"), fazer apologia de si mesmo. O ministro Falcão afirma que "Em 25 anos de existência, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) é, sem hesitação, o “tribunal da cidadania”, com indicadores de desempenho institucionais que evidenciam avanços de sua atuação em prol de uma justiça mais célere, eficiente e democrática".  Ele se esqueceu de mencionar a que custo isso se deu para o país.

Falcão diz ainda que em 2014, o tribunal poupou aproximadamente R$12 milhões a partir da revisão de compras na área de tecnologia da informação. Outros R$ 22 milhões permaneceram nos cofres da Casa, após a adoção gratuita de um novo sistema de gestão de documentos, em convênio firmado no âmbito do Judiciário. Segundo ele, o tribunal se tornou referência em atividades de responsabilidade socioambiental entre os poderes da República, tendo economizado com isso mais de R$ 6 milhões em cinco anos. 

O ministro diz também que houve, ainda, uma redução pela metade de 2.400 itens de material de consumo, incluindo papel e utensílios. Somente com eletricidade, o tribunal economizou mais de meio milhão (R$ 600 mil) entre 2013 e 2014. Pela denúncia de Villa, esta economia foi insuficiente para pagar o contracheque da ministra Nancy Andrighi em novembro de 2014. Todos os números do ministro Falcão são absolutamente pífios frente aos gastos com mordomias e outros que tais feitos pelo STJ só em 2013 e 2014.

O ministro presidente do STJ conclui seu artigo no Globo afirmando que "Manter instituições sólidas e que atuam para garantir o Estado Democrático de Direito tem um custo. Com desempenho de excelência e iniciativas sustentáveis, o STJ prova que esse investimento não precisa aumentar a cada ano — e pode sempre ser revertido em favor da sociedade". Esta mensagem soa profundamente cínica e escapista, para dizer o mínimo, diante das mordomias e regalias apontadas no artigo de Marco Antonio Villa. Teria sido mais honesto da parte de Sua Excelência o presidente do STJ se ele refutasse ou explicasse de maneira sólida e irrefutável porque seu tribunal gasta tanto com seus ministros e outros penduricalhos, no cumprimento de suas funções. 

O ministro Francisco Falcão, presidente do STJ, confia demais no poder de convencimento de sua argumentação precária e franzina, subestimando acintosamente a inteligência de seus leitores.

Infelizmente, as mordomias absurdas no Judiciário não se limitam apenas ao STJ e ao TJ-RJ, isso virou uma prática imoral e antiética em todo esse poder republicano. Em 20 de maio de 2013, o jornal O Estado de S. Paulo (Estadão) denunciou (em reportagem de Eduardo Bresciani e Mariângela Gallucci), que o STF - Supremo Tribunal Federal paga voos para mulheres de ministrosLevantamento feito pelo jornal com base em dados oficiais publicados no site da Corte, conforme determina a Lei de Acesso à Informação, mostra que ministros usaram estes recursos, no período entre 2009 e 2012, para realizar voos internacionais com suas mulheres, viagens durante o período de férias no Judiciário, chamado de recesso forense, e de retorno para seus Estados de origem.

O total gasto em passagens para ministros do STF e suas mulheres em quatro anos foi de R$ 2,2 milhões - a Corte informou não ter sistematizado os dados de anos anteriores. A maior parte (R$ 1,5 milhão) foi usada para viagens internacionais. De 2009 a 2012, o Supremo destinou R$ 608 mil para a compra de bilhetes aéreos para as esposas de cinco ministros: Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski - ainda integrantes da Corte -, além de Carlos Ayres Britto, Cezar Peluso e Eros Grau, hoje aposentados.

O pagamento de passagens aéreas a dependentes de ministros é permitido, em viagens internacionais, por uma resolução de 2010, baseada em julgamento de um processo administrativo no ano anterior. O ato diz que as passagens devem ser de primeira classe e que esse tipo de despesa deve ser arcado pela Corte quando a presença do parente for "indispensável" para o evento do qual o ministro participará. No entanto, o Supremo afirma que, quando o ministro viaja ao exterior representando a Corte, não precisa dar justificativa para ser acompanhado da mulher. Seria muito interessante -- digo eu e não o Estadão -- conhecer a argumentação usada pelos ministros citados acima, e aceita pelo Supremo, para dizer que a companhia de suas mulheres era "indispensável" para o bom êxito de suas participações nos eventos a que se destinavam no exterior. Que a companhia das esposas é sempre conveniente e desejável todos sabemos e reconhecemos, mas daí considerá-la "indispensável" é outra história. Mas, com passagem de graça na primeira classe ...

Os ministros do STF são rápidos no gozo de suas mordomias, mas emperram e sabotam o desempenho do tribunal com seus pedidos de vistas de processos irresponsavelmente longos.

Em 24/12/2013, o sempre muitíssimo bem informado jornalista José Casado desfila em sua coluna "Órfãos do Judiciário", no O Globo, uma série de mordomias no Judiciário Brasil afora. Naquela época, o Tribunal de Justiça do Paraná acabava de renovar sua frota de automóveis. Comprou 80 novos para os juízes. Enquanto isso o fórum de Curitiba, frequentado pelo público, continua sendo um local “insalubre” — na definição da Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça.

No tribunal de Goiás, cada desembargador possuía 13 servidores públicos à disposição. O fórum tem metade disso, embora o volume de processos seja oito vezes maior. [10% do número dos servidores por ministro do STJ em 2014.]

Em Minas Gerais, construiu-se um palácio para a Justiça estadual, em “L”, com torres de 11 andares e seis subsolos, 1.597 vagas de estacionamento, 16 plenários, lojas, salão para eventos e quatro auditórios — além de um exclusivo para os 25 desembargadores. Quando questionados, os magistrados responderam: “Considerando a área total a ser construída (de 138.164,61 metros quadrados), temos um valor de R$ 2.600 por metro quadrado. O custo do prédio do Tribunal Superior Eleitoral (em Brasília) é de R$ 2.800 por metro quadrado".

Segundo José Casado, desde os anos 90, os juízes dos tribunais superiores e estaduais parecem empenhados numa espécie de competição imobiliária: a cada novo prédio que mandam construir, suas salas de trabalho ficam mais amplas. O projeto do Conselho da Justiça Federal, em Brasília, chegou a prever gabinete de 650 metros quadrados.


As mordomias no Judiciário proliferam, mas em velocidade menor que a insatisfação do público pagante. Basta olhar para os juizados de primeiro grau, onde estão oito em cada dez processos: 2013 vai terminar com 70% deles parados, sem resolução, segundo informa o Conselho Nacional de Justiça. Seriam necessários cinco anos para solucioná-los, desde que os fóruns não recebessem um único novo processo, dizia José Casado em dezembro de 2013.

O Brasil avança na consolidação de um Judiciário confinado em palácios, recheados de cargos adornados por mordomias, e a cada ano mais distanciado da maioria da sociedade, que permanece sem o direito de acesso à Justiça.
É um país com 770 mil advogados, mas apenas 5.500 defensores públicos. São 311 advogados para cada 100 mil habitantes e apenas 3,9 defensores no mesmo universo. Os poucos defensores existentes atendem 90% da população. [Ver postagem "

Quantidade x qualidade: Brasil tem mais faculdades de Direito que todos os demais países juntos"]


Na prática, o Estado capturou a máquina judicial e a transformou em instrumento de ação contra a sociedade. É nos tribunais que União, estados e municípios fazem seu efetivo controle de caixa sobre as principais despesas — aposentadorias e precatórios, entre outras contas. Ágeis na percepção das mutações nas instituições, as empresas privadas há muito tempo saíram desse circuito e optaram pela solução de controvérsias em tribunais informais, os da mediação.

Prossegue José Casado: Órfãos ficaram oito em cada dez brasileiros que sobrevivem com até três salários mínimos mensais. Não têm quem os defenda — principalmente, contra o Estado. Quando encontram um defensor público, geralmente sobrecarregado, precisam entrar na fila e contar os dias no calendário da burocracia, que gasta 15 dias para adicionar uma petição a um processo.

Com sorte, talvez levem apenas dez anos frequentando as estatísticas de “congestionamento” do Judiciário. Mas podem atravessar uma vida inteira, se o processo for contra o Estado brasileiro por causa de um crédito judicialmente reconhecido como válido, mas com pagamento protelado por sucessivos governos — os provedores das verbas que sustentam as mordomias nos palácios.

Digo eu e não José Casado: o contribuinte se vê desamparado e sordidamente explorado pelo Judiciário -- paga-lhe mordomias absurdas que para ele contribuinte são impensáveis, e fica atônito com os critérios de soltura aplicados por juízes nos mais diversos tipos de crimes. Ver postagem anterior.






 







 




2 comentários:

  1. Recebido por email em 05/6/2015:

    "Prezado Repórter
    finalmente alguém aponta para o alvo certo. Os Juízes não são consequência, são a causa deste imbróglio chamado Brasil. Estes deuses precisam ser responsabilizados.
    Os privilégios apenas refletem uma imagem de um DNA jurídico imperfeito.
    Não há luz no fim do túnel.
    Parabéns
    LCGM"

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  2. Infelizmente, me esqueci de mencionar na postagem que os magistrados e os membros do Ministério Público, em comparação com os trabalhadores do setor privado, têm a mais 30 dias de férias, alguns feriados e o período de recesso de final de ano (na Justiça do Trabalho e na Justiça Federal, de 20 de dezembro a 06 de janeiro), no qual a atividade judicante não é totalmente paralisada, funcionando em regime de plantão para atendimento de medidas urgentes. Ou seja, além das mordomias e regalias citadas, os membros do nosso Judiciário ainda têm 60 dias de férias no ano, um mês a mais que os demais humildes mortais do país.

    Vasco Costa

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