segunda-feira, 27 de junho de 2016

Informações sobre o Ramadã, o mês sagrado dos muçulmanos

[O Ramadã, nono mês de  30 dias do calendário islâmico, durante o qual os muçulmanos devem jejuar do levantar ao pôr do sol, já começou. Traduzo a seguir um longo e esclarecedor artigo do site francês L'Internaute sobre ele. Afinal, trata-se de um rito sagrado de quase um quarto da população mundial. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]




Um dos ritos mais importantes do islamismo já começou. Está próxima a data do início do Ramadã. Datas, horários das orações, origens, eis o que é preciso levar em consideração.

Data de início, com a noite da dúvida, data do fim com a noite do destino e o l'Aïd el Fitr, mas também a duração do jejum, os horários da orações ... [Aïd el Fitr, festa da ruptura, é a festa muçulmana que marca a quebra do jejum do mês do ramadã.] Para os muçulmanos, que representam um quarto da população mundial, fazer o Ramadã significa voltar a se obrigar a um rigor moral e físico, mas também a saber organizar bem seu calendário e sua agenda. Milhões de crentes analisam há já vários dias as declarações dos principais países muçulmanos e também de sua mesquita, para saber da data de início do Ramadã. Na França, é o Conselho Francês do Culto Muçulmano (CFCM) e a mesquita de Paris que irão decretar o início do jejum quando da noite da dúvida, na noite de domingo para segunda-feira. O Ramadã deve iniciar-se imediatamente após a noite de 6 de junho.

A proibição não se limita apenas à alimentação

A peregrinação a Meca é um outro pilar do Islamismo - (Foto: Google) 

O Ramadã não é simplesmente uma questão de privação alimentar. Os muçulmanos que o seguem se privam também de beber água durante o dia. Do nascer ao pôr do sol, os praticantes não devem também consumir nada. Essa interdição engloba também as relações sexuais e o fumo. Durante esse período do Ramadã, que dura um mês, os praticantes cumprem um dos pilares do islamismo que é a peregrinação a Meca. Este mês de "pureza" tem especialmente por objetivo, para os crentes, aproximá-los de seu Deus.

As tâmaras ocupam um lugar importante na quebra do jejum no Ramadã - (Foto: Google)


Tâmaras para quebrar o jejum

Durante o Ramadã, as tâmaras ocupam um lugar bem particular para os muçulmanos. Tradicionalmente, é uma tâmara que é o primeiro alimento degustado no momento de quebrar o jejum. Isso se deve ao fato de que teria sido uma tâmara que teria sido consumida por Maomé quando ele mesmo rompeu seu jejum nesse período. O conflito entre israelenses e palestinos chega até ao setor de alimentação, porque vozes do mundo muçulmano se levantam este ano também para pedir aos fiéis que não consumam as tâmaras importadas de Israel. Este país é o terceiro maior exportador de tâmaras para a França, atrás da Argélia e da Tunísia. A França é o maior importador de tâmaras da Europa.

Exceções para cumprir o jejum

Certos praticantes podem ser "dispensados" do jejum - (Foto: Jasmim Merdan - Fotolia)

Para as pessoas doentes, para os idosos e para as crianças é difícil se abster de comer e beber durante o dia todo. Esses setores da população não são portanto submetidos às mesmas regras estritas aplicadas aos demais muçulmanos. Da mesma forma, as pessoas que viajam e as mulheres grávidas ou que amamentam podem também interromper ou não fazer o jejum. As mulheres que estão menstruadas recomeçam a comer e beber, e retomam geralmente o jejum no final do período do ramadã. Na religião muçulmana, as pessoas que não podem fazer o jejum por razões de saúde podem providenciar para que uma pessoa pobre possa se alimentar durante um período equivalente à duração do jejum.

As datas mudam todos os anos

O Ramadã é praticado em todo o mundo - (Foto: Jasmin Merdan - Fotolia)

As datas de início e fim do jejum mudam a cada ano. O início desse período é antecipado em 10 a 12 dias todos os anos. O calendário muçulmano se baseia na realidade em um calendário lunar, cada mês principiando com a lua nova, quando aparece  o primeiro crescente. Como os calendários solar e lunar não têm o mesmo número de dias, o Ramadã se desloca a cada ano. Os praticantes não coincidem quanto ao início do Ramadã: a maior parte dos muçulmanos se baseia na observação local do crescente lunar, outros preferem o cálculo da lua nova ou a declaração da Arábia Saudita sobre o assunto. [Meca é uma cidade da Arábia Saudita.]

O mês da caridade

A mesquita Hassan II, no Marrocos  - (Foto: Google)

Durante o mês do Ramadã, as dádivas dos muçulmanos são mais importante que durante os outros meses do ano. Inúmeros praticantes decidem portanto cumprir seu dever de caridade, que é um dos pilares do islamismo, durante esse período em particular. Mundo afora, algumas famílias mais ricas preparam mesmo "cestas" para os mais pobres incluindo itens de subsistência como açúcar, óleo ou  arroz. Essas provisões são geralmente  entregues no primeiro dia do Ramadã. Algumas organizações religiosas e as mesquitas oferecem igualmente refeições gratuitas aos necessitados à noite, para quebrar o jejum.

O jejum existia antes do islamismo

O jejum existia antes do islamismo(Foto: Jasmin Merdan - Fotolia)

O jejum não nasceu com o islamismo. A abstenção de comer e beber é, com efeito, mencionada no Velho e no Novo Testamentos, que são anteriores ao profeta Maomé. Assim, na Bíblia, é mencionado que a rainha Ester solicitou aos judeus que jejuassem por três dias, antes que ela se encontrasse com seu marido para pedir-lhe que os poupasse. Segundo o Novo Testamento, Jesus jejuou durante 40 dias no deserto. Em referência a isso, o cristianismo estabelece um período de 40 dias, a quaresma. Hoje, o período de jejum dos católicos está reduzido geralmente à Quarta-feira de Cinzas e à Sexta-feira Santa.

Prisão por causa do ramadã

Já foram aplicadas penas de prisão por descumprimento do Ramadã - (Foto: BortN66 - Fotolia)

Em certos países, o Estado pode  imiscuir-se na religião. Assim, em 2008, seis argelinos foram condenados em seu país por não haverem respeitado o jejum. Julgados em Biskra, no sul da Argélia, receberam uma sentença de  quatro anos de prisão e uma multa de 1.000 euros cada um. Foram presos pela polícia quando comiam em público. Associações de Defesa dos Direitos Humanos se levantaram contra essa condenação. Mas, depois desse fato, outros processos desse tipo (relatados principalmente pelo jornal Libération) ocorreram ainda na Argélia. Em certos países do Golfo, como Kuait, Emirados Árabes Unidos, Bahrein ou Arábia Saudita, é a lei que proíbe de comer, beber ou fumar em público durante o período de jejum. Os contraventores são geralmente punidos com multas.

Ramadã, um nome próprio em voga?

O nome próprio [nome de batismo] "Ramadan" [na grafia francesa e na maioria de outros idiomas que não o portguês] ganha popularidade - (Foto: Jasmin Merdan - Fotolia)

O nome próprio masculino "Ramadan" não está entre os mais encontrados mundo afora, mas ele conheceu uma pequena idade do ouro nos anos 1990. Segundo o site inglês Baby Center, que publica informações sobre o uso de nomes próprios através do planeta, 18 de seus membros deram esse nome a seus filhos em 1997. E, nos Estados Unidos, 920 pessoas possuem hoje esse nome. Em 2009, receberam o nome Ramadan 13 novos bebês na França. Trata-se de um pequeno aumento em relação aos anos anteriores, onde entre 3 e cinco bebês masculinos receberam esse nome a cada ano. Há várias variantes dele, principalmente com o acréscimo de um "h": Ramadhan.

Um mês no qual os praticantes ganham peso!

Quando da quebra do jejum, as comidas servidas são muito ricas - (Foto: Jerôme Salort - Fotolia)

Admite-se geralmente que o Ramadã é um mês em que os praticantes ganham peso. Como lembra o jornal inglês Time, o período de jejum não é entretanto um período de emagrecimento. O ganho de peso seria devido sobretudo ao fato de que as pessoas que seguem o Ramadã reduzem suas atividades diárias e comem fartamente na quebra do jejum, quando cai a noite [no islamismo não há o pecado da gula?...]. O corpo, submetido a uma dura prova pelo jejum, teria tendência a estocar os alimentos consumidos à noite. Além disso, os alimentos consumidos após o dia de jejum são geralmente ricos, gordurosos e doces. Esse repasto noturno, o iftar, pode mesmo tomar o formato de um banquete. Para que seus corpos suportem melhor o jejum, os praticantes podem também optar por uma segunda refeição, antes do nascer do sol, para melhor cumprir toda a jornada seguinte. 

Data do Ramadã

Em 2016, o Ramadã se iniciará no dia 6 de junho e se estenderá por quase um mês. O início do Ramadã se dá desde a entrada do nono mês do calendário islâmico, e assim como para cada mês do calendário baseado na hégira [data da fuga de Maomé de Meca para Medina], ele começa exatamente quando o primeiro crescente da lua nova fica visível no céu. Quanto a isso, há um conflito heurístico [relativo à heurística, ciência que tem por objeto a descoberta dos fatos] entre aqueles que consideram que é indispensável ver o astro no céu e os que confiam na astrologia.

As principais federações muçulmanas da França decidiram, este ano, unificar suas posições observando o céu quando da "noite da dúvida". Como resultado dessas observações, o início do Ramadã foi fixado para a segunda-feira, 6 de junho de 2016. Os partidários do cálculo científico acham que a precisão da astronomia moderna permitiria determinar certa e corretamente o momento e a duração da aparição da lua no céu de cada país. Baseando-se nesse método, o Conselho Teológico Muçulmano da França já está em condições de definir as datas do Ramadã em 2016: da segunda-feira 6 de junho a terça-feira 5 de julho de 2016. As mesmas datas, portanto, das federações.

Fim do Ramadã

Quando o jejum termina, os muçulmanos celebram o fim do Ramadã: Aïd el Fitr (festa da ruptura). Conforme os anos, e novamente em função da observação da lua, essa festa ocorre 29 ou 30 dias após o início do Ramadã. Existe portanto uma nova incerteza em reação a essa data, se se utilizar o método ancestral de determinar a noite da dúvida.

Por isso, a Aïd el Fitr não é senão a ocasião de festejar. A celebração reúne famílias e amigos, que trocam entre si votos de saúde e felicidade, nesse dia de fraternidade. No mundo inteiro ela se faz preparando-se uma rica refeição antes de se entregar às orações. É igualmente dever dos fiéis guardar uma parte da alimentação para os mais pobres. São também de praxe atenções especiais com os familiares, tais como presentes ou uma ligação telefônica. Esse é também um dia de autoavaliação e de reflezão, em que cada muçulmano pode se situar em relação ao mês que findou. Vários rituais completam o programa, do banho ritual antes da oração matinal ao consumo de tâmaras em número ímpar antes de sair de casa, passando pelo ato do "takbir", que consiste em cantar à glória de Alá rumo ao seu local de oração [no takbir canta-se Allahu Akbar ("Deus é grande" ou "Deus é o maior")].

Calendário do Ramadã

A concepção do calendário muçulmano (ou islâmico) tem como ponto de partida a hégira, isto é a ida de Maomé para Medina no ano 622 [da era cristã]. Além disto, ela é montada em torno das fases da lua e não sobre a posição da Terra em relação ao sol, como acontece com o calendário gregoriano, adotado na Europa e nos EUA. Em relação ao gregoriano, o calendário muçulmano é mais curto em onze dias: a data do ramadã "avança" portanto em cada ano desse número de dias no calendário civil (gregoriano). O Ramadã de 2016 coincide em datas com o que ocorreu em 1437 do calendário islâmico.

Quando do Ramadã, os muçulmanos praticantes são chamados a rezar cinco vezes por dia, como no resto do ano. O número de pessoas dedicando-se a esse ritual é entretanto mais numeroso nesse período, onde a espiritualidade volta ao centro das prioridades para inúmeros fiéis. Os horários das orações tornam-se então muito importantes. De fato, as interdições alimentares têm início aos primeiros clarões do dia, quando da oração de Fajr, e terminam quando da quarta oração do dia, dita oração de Magreb (ocidente), que ocorre ao cair da noite.

Há vários calendários de orações disponíveis. Os horários de oração estabelecidos pela Grande Mesquita de Paris são em geral a referência nesse particular. Válidos para a capital, devem ser adaptados para a região onde se encontra o praticante. (...)

Noite da dúvida 2016

Em 2016, a noite da dúvida ocorreu no domingo 5 de junho. As principais federações muçulmanas decidiram unificar este ano suas posições na observação do céu quando da noite da dúvida. Foi em Paris que se realizou esse rito através da Grande Mesquita (...).

Ramadã: definição

O jejum (saoum) é descrito de maneira precisa no Corão. Ao longo do mês do Ramadã os muçulmanos são ordenados a não se alimentar, beber, fumar ou ter relações sexuais entre a alvorada e o pôr do sol. Mais genericamente, a ascese se refere a todos os comportamentos considerados contrários ao islamismo. Esta restrição se destina a celebrar o mês em que o livro sagrado foi revelado a Maomé. À noite, as celebrações (incluindo a refeição) são autorizadas e até mesmo encorajadas. A refeição noturna (iftar) é um momento-chave: inúmeros muçulmanos se reúnem em suas casas, nos centros culturais ou nas mesquitas para compartilhar a refeição.

O dia é então objeto de uma programação diferente. A primeira refeição (sahur) é feita antes da aurora e do apelo à oração: "Comei e bebei até o momento em que possais distinguir o fio branco do fio negro", determina o Corão. A proibição de comer e beber termina após o pôr do sol e a quarta oração do dia (al-maghrib). (...) Certos viajantes podem retardar o jejum. para tais pessoas, a ajuda aos pobres é considerada como uma substituição válida ao ritual. Em outras circunstâncias, uma pessoa comer ou beber acidentalmente. Seu jejum permanece válido desde que não haja demonstração de intencionalidade no que se fez.

O Corão ordena o respeito ao jejum - (Foto: osmanpek - Fotolia)

Ramadã 2016

(...) Este ano, o calendário do Ramadã é particularmente exigente: o mês sagrado ocorre no fim da primavera e durante o verão, época em que a duração dos dias é a mais longa do ano. Alguns países decidiram melhorar o conforto das pessoas através de medidas relativas ao conjunto da população. O problema é particularmente sensível para os muçulmanos residentes no norte da Europa, como na Noruega por exemplo. Embora alguns deles mencionem as dificuldades apresentadas pela duração muito curta das noites (da ordem de 3 horas em Estocolmo), a maioria apesar de tudo se curva ao ritual. 

Outra dificuldade: o calor. Na França, há que esperar por temperaturas diurnas de 20°C a 30°C. Por isso, é aconselhável beber [água] em grande quantidade, tanto quanto possível (cerca de 1,5 litro de água por noite, em porções várias) e cuidar para se hidratar a cada quebra de jejum e logo antes de retomá-lo. Deve-se igualmente privilegiar uma alimentação saudável para as quebras de jejum, dividindo as refeições: por exemplo, uma sopa para começar, uma refeição completa 2 ou 3 horas mais tarde e uma última antes de retomar o jejum. Fazer a sesta, evitar exposição ao sol e limitar os esforços físicos fazem também parte das práticas a serem respeitadas para se manter em boa saúde.

Por outro lado, o Ramadã na França coincide com as provas do bac2016 [bacharelado - na França, exame final do ensino médio], que começarão em meados do mês de junho. A semana do exame tornar-se-á mais difícil para o jejum e o conjunto de privações que ele acarreta. Além disso, as provas de recuperação estão programadas para antes do fim do mês sagrado islâmico. Resultado: os alunos do ensino médio de crença muçulmana terão de se desdobrar para obter seu precioso diploma.

Além disso, o Ramadã 2016 coincide com uma parte da Eurocopa 2016 de futebol. Os esportistas muçulmanos envolvidos na competição poderão realmente jogar respeitando as privações impostas pelo islamismo, a começar por não beber água e não se alimentar durante o dia? O Corão indica que há exceções para os muçulmanos impúberes, para os enfermos, para os que fazem uma viagem longa e penosa, para as mulheres menstruadas e para as mulheres grávidas.

(...)

Noite do destino (Laylat al-Qadr)

O Ramadã é marcado por dois momentos importantes para os muçulmanos praticantes. O primeiro é a noite do destino (Laylat al-Qadr), considerada como abençoada. Ela celebra a noite durante a qual Maomé teria recebido a revelação do Corão pelo anjo Gabriel. Segundo a tradição muçulmana, no ano 610 do calendário gregoriano o mercador fazia um retiro espiritual na gruta de Hira, no deserto da Arábia, quando teria visto aparecer o arcanjo. Maomé teria então começado a transcrever os versos revelados por Alá e ditados por Gabriel. Essa é a origem do Corão, o livro sagrado do islamismo.

Hoje, quando do Ramadã, esse episódio é celebrado por ocasião da noite do destino. Desde o pôr do sol, a vigília é consagrada às orações pedindo por perdão ou por bênção. A data dessa noite é fixada em um dia ímpar entre os dez últimos dias do Ramadã. A maioria dos teólogos a fixa no 27° dia desse mês.

Ramadã na França: cada vez mais praticantes

Segundo um estudo datado de 2011, feito pelo Ifop (Instituto Francês de Opinião Pública) para o jornal La Croix [A Cruz], 70% dos franceses que se declaram seguidores do islamismo afirmam que respeitam o jejum nos 29 ou 30 dias desse mês. É um número em constante crescimento desde os anos 1960. "O Ramadã é uma prática tanto cultural quanto religiosa, respeitada pelo conjunto da comunidade, mesmo para os que não acreditam ou não o praticam mais", dizia há cinco anos o pesquisador Franck Frégosi àquele jornal. É preciso dizer, além disso, que o Ramadã, sendo um dos cinco pilares do islamismo [os outros quatro são: o testemunho de fé, a oração, o pagamento do Zakat (apoio aos necessitados) e a peregrinação a Meca], é uma obrigação moral do Corão, considerada para ser praticada por todos os fiéis.

[As implicações do cumprimento do ramadã nas atividades de trabalho dos praticantes do islamismo nesse mês são inúmeras, e serão abordadas em uma próxima postagem.]




domingo, 26 de junho de 2016

Os estranhos e inexplicáveis critérios nos gastos e cortes do governo

Na semana passada, no dia 23/6, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação confirmou que a operação do supercomputador está comprometida e que o LNCC sofreu um contingenciamento de cerca de 20% de seus recursos, afetando as operações nos próximos meses.  O supercomputador Santos Dumont, inaugurado neste ano no Rio de Janeiro e que seria utilizado para uma série de pesquisas que inclui o vírus da zika, teve de ser desligado em meio a cortes de recursos do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), afirmaram pesquisadores nesta quarta-feira (22/6).

O motivo para o corte na operação da máquina é a falta de recursos provocada pelo contingenciamento de verbas do LNCC. Como é capaz de rodar a uma velocidade de até 1 milhão de vezes mais rápida que a de um notebook convencional, o aparelho consome mais energia. Estima-se que o custo mensal de energia da máquina seja de aproximadamente R$ 500 mil.

Segundo o LNCC, a máquina, comprada da francesa Atos/Bull, tinha um orçamento de R$ 60 milhões este ano, incluindo o custo de aquisição e instalação. O equipamento tem capacidade de 1,1 petaflop e é o primeiro de sua escala no país. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação confirmou que a operação do supercomputador está comprometida e que o LNCC sofreu um contingenciamento de cerca de 20% de seus recursos, afetando as operações nos próximos meses. O ministério afirmou, porém, que a máquina está operando a 30% de sua capacidade e que não foi totalmente desligada.

A notícia acima comprova mais uma vez que o governo federal administra seu orçamento como alguém que não entende, nem quer entender de prioridades para o país. Os burocratas do Planalto acham que supercomputador é brinquedo de luxo de alguns privilegiados, e por isso tratam seus gastos com a mesma atenção de quem mantém a cantina do Ministério da Fazenda -- com a séria chance de que a cantina leve a melhor nesse jogo.

O governo interino de Temer, preocupantemente, tem repetido uma série de erros e fisiologismos que levaram o governo de Dilma para o brejo. O fisiologismo corre solto, e Temer tem escandalosamente cedido a pressões espúrias para se manter o máximo no poder. Tem tomado decisões absolutamente incongruentes e inconsistentes com sua promessa -- agora revelada fajuta -- de austeridade financeira. Vejamos alguns exemplos:

☛ Depois de fazer jogo de cena sobre limitação de gastos, Temer surpreendeu e decepcionou o país concedendo integralmente o aumento do funcionalismo público proposto por Dilma no início do ano. No dia 30 de janeiro, a presidente enviou ao Congresso seis projetos de Lei que irão beneficiar os servidores públicos federais em todo o Brasil. Ao todo, o governo estimava que mais de 1 milhão serão beneficiados com a medida. Isto representa quase a totalidade dos servidores da União, com percentual em torno de 90%.  

As carreiras de Estado, como são chamadas as carreiras do funcionalismo público cujos ocupantes exercem atividades típicas do poder estatal – tais como segurança, fiscalização e arrecadação – fecharam acordo com o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão para um reajuste superior ao concedido aos demais servidores. Enquanto os servidores civis do Executivo federal receberão aumento de 10,8% dividido em dois anos, eles ganharão 27,9% em quatro anos. 


A Câmara aprovou na noite de 1° de junho o aumento do salário dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). O rendimento, que delimita o teto do funcionalismo, passou de R$ 33.763 para R$ 39.293. O efeito cascata gerado em todo o Judiciário deverá, segundo o Ministério da Fazenda, ter um impacto de R$ 6,9 bilhões até 2019. Essa foi apenas a primeira proposta do mega-pacote de reajuste do funcionalismo que o governo interino de Michel Temer aprovou nessa noite, e incluiu além do Judiciário, o Executivo, o Legislativo e o Ministério Público, com impacto que passa de R$ 58 bilhões até 2019. Com esses montantes, o governo garantiria o funcionamento do supercomputador por mais de um ano, com resultados muito melhores para o país do que os gerados por esse mais de 1 milhão de burocratas.

☛ Os gastos secretos da Presidência, uma caixa preta que Dilma jamais permitiu que fosse aberta, é um sumidouro de dinheiro. 

De janeiro a maio deste ano, o governo federal gastou R$ 17,8 milhões só com cartões corporativos (dados atualizados até as faturas com vencimento em maio). Deste montante, R$ 5,4 milhões (30%) foram pagos pela presidência. Essa despesa pagaria a conta de luz de 35,6 meses do supercomputador, com base no gasto mensal de hoje. O governo faz afarra com esses cartões, mas corta 20% da verba do supercomputador a título de "corte de gastos". 

O projeto de lei do senador Ronaldo Caiado (DEM/GO), que dá total transparência a gastos pessoais e da administração da Presidência da República (PR), já chegou à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado para ser votado em caráter terminativo. Um substitutivo do senador Antonio Anastasia (PSDB/MG), apresentado ao projeto inicial, foi aprovado na Comissão de Transparência e Governança Pública (CTG) e, se aprovado na CCJ, segue direto para a Câmara dos Deputados.

☛ Comprovando a filosofia petista nesses quase 14 anos de governo, segundo a qual é dando que se recebe, os cargos de confiança representam hoje 35% da folha do funcionalismo federalRelatório do Tribunal de Contas da União (TCU) mostrou que a administração pública federal, incluindo Executivo, Legislativo e Judiciário, gasta hoje R$ 3,47 bilhões por mês com funcionários em cargos de confiança e comissionados. O valor representa 35% de toda a folha de pagamento do funcionalismo público na esfera federal, que é de R$ 9,6 bilhões mensais. É fácil imaginar o enorme números de apadrinhados aspones nesse gigantesco contingente de ocupantes de cargos de confiança.

Dilma duplicou os gastos com publicidade antes de deixar o governoEla não poupou gastos com publicidade antes de deixar o governo federal. As despesas com propaganda passaram de R$ 229,4 milhões nos cinco primeiros meses de 2015 para R$ 460 milhões neste ano, isto é, os valores praticamente duplicaram. A Presidência da República foi a principal responsável pelo aumento.

O levantamento foi realizado pelo Contas Abertas com base nos valores empenhados (já reservados em orçamento para pagamento posterior). Cabe ressaltar que os dados de 2016 não compreendem o mês fechado de maio, ou seja, a diferença pode ser ainda maior. Os valores são correntes.

Enquanto se autopromovia, Dilma cortava verbas de projetos muito mais importantes do espalhar mentiras sobre ela mesma e seu governo. O corte no orçamento do supercomputador é uma prova inequívoca disso.

Temer precisa urgentemente informar ao país o que está fazendo, ou pretende fazer a curtíssimo prazo, para corrigir e/ou eliminar essas sangrias esdrúxulas de gastos. O supercomputador do LNCC tem trabalhos importantíssimos para o país, incluindo pesquisas sobre o vírus da zika, e não pode ser preterido enquanto gastos demagógicos e palanqueiros são mantidos para alimentar o fisiologismo do governo.

☛ Cedendo à pressão pilantra dos governadores, que gastaram muito mais do que podiam e fizeram vista grossa da Lei de Responsabilidade Fiscal, fez um acordo malcheiroso com os estados, dando-lhes 2,5 anos para pagarem suas dívidas com o governo federal. E, como exigiram os governadores, iniciaram-se as negociações com os estados para esticar também os prazos de pagamento de suas dívidas com o BNDES. Temer fez e continua fazendo barganhas com o nosso dinheiro para manter-se no poder. Enquanto isso, a ciência e a tecnologia que se ferrem.

sexta-feira, 24 de junho de 2016

Agora é que o Reino Unido vai ver o que é bom pra tosse

[Os britânicos optaram por sair da União Europeia, em mais uma demonstração do preocupante ressurgimento do ultranacionalismo no mundo. Tenho para mim que votaram mais com o coração e o fígado do que com o cérebro. Ninguém, entre vencedores e vencidos, tem noção exata do que isso significa em aspectos mais amplos possíveis para o Reino Unido (RU) em termos políticos, econômicos, financeiros e sociais. Muito menos em termos do que isso tudo poderá ou não afetar negativamente o prestígio e o poder do país no cenário internacional. Do lado da União Europeia tampouco há certezas absolutas sobre qual o impacto final e total da saída do RU da comunidade. Quem pagou pra ver nessa história toda não tem a menor noção do tamanho exato do que isso lhe custará. 

O resto do mundo está tão perdido nesse tiroteio quanto os protagonistas desse bangue-bangue.

A libra esterlina caiu para seu valor mais baixo em relação ao dólar nos últimos 30 anos logo após a confirmação do Brexit.

O próprio Reino Unido se vê ameaçado de ruptura interna. A Escócia e a Irlanda do Norte votaram pela permanência na UE, o que pode reavivar o separatismo nesses dois países em relação ao RU.

As implicações econômico-financeiras dessa decisão do Reino Unido estão amplamente abordadas na mídia internacional. Ver por exemplo (em inglês):

☛ "O custo do Brexit - Porque o Brexit é uma notícia sombria para a economia mundial" - The Economist, 24/6/2016
☛ "Ações de bancos afundam depois que os britânicos decidiram por sair da UE" - Financial Times, 24/6/2016

Quanto ao lado político da questão, traduzo a seguir o artigo de Lord John Browne (presidente da L1 Energy e CEO da BP - British Petroleum de 1995 a 2007) publicado em 20/6/2016 na versão impressa do The Wall Street Journal (para assinantes do jornal o texto pode ser acessado na internet). É importante observar que o artigo foi escrito antes e às vésperas do referendo.]

Um voto para sair da Europa significa um Reino Unido menor

John Browne -  The Wall Street Journal, 20/6/2016

O referendo "Brexit" desta semana tem a Grã-Bretanha -- e de fato a União Europeia (UE) -- balançando à beira do desastre. Há um ano, de acordo com a pesquisadora britânica de opinião pública Ipsos MORI, 66% dos britânicos queriam permanecer na UE, com apenas 22% a favor da saída. Entretanto, uma pesquisa da mesma Ipsos MORI feita este mês mostrou a campanha pelo Brexit assumindo a liderança por dois pontos (51% a 49%). Essa mudança de sentimento é extraordinária -- e motivo de grande preocupação.

Os pesquisadores de opinião britânicos erraram antes, como ocorreu recentemente. Durante a campanha para a eleição geral do ano passado, nenhuma das 92 pesquisas realizadas previu com precisão a vitória que os conservadores teriam. A maioria das pesquisas deu aos trabalhistas uma pequena liderança.

Mas o fato de que este referendo está tão próximo o faz o mais preocupante momento para o Reino Unido desde a Segunda Grande Guerra. Nasci em 1948, assim minha visão pessoal da Europa foi fortemente influenciada pelas experiências de meus pais da guerra e nas consequências imediatas dela. Minha mãe, uma sobrevivente de Auschwitz, viveu realmente o pior de uma Europa dividida. Mas foi quando o continente estava sendo reconstruído que ela conheceu meu pai, um oficial do exército britânico servindo na Alemanha.

Ao longo dos meus 50 anos de negócios, a maior parte como CEO da BP, aprendi -- algumas vezes pelo caminho difícil -- que introspecção e isolamento são um caminho certo para perder influência na Europa e no mundo. O mesmo se aplica ao Reino Unido (RU).

Sair da União Europeia nos deixaria diminuídos no cenário mundial. Onde já fomos um líder mundial em comércio e diplomacia global, um voto pela saída da UE veria o RU reduzido ao nível de uma nação de segundo ou terceiro nível. É claro que esta não é uma perspectiva atraente ou agradável para o RU, mas ela é também uma má notícia para o resto do mundo.

O presidente Obama deixou claro que se o RU deixar a UE ele irá para o "fim da fila" para um acordo comercial com os Estados Unidos (EUA). Compreensivelmente, os EUA têm pouco interesse em negociar com um país comparativamente com um impactante acordo com um bloco muito maior. Podemos supor que o mesmo comportamento se aplicará a outros acordos.

Domesticamente, é pura fantasia a ideia de que o RU pode renegociar um acordo com a UE melhor do que qualquer outro não-membro do bloco. Uma vez fora da união, quase certamente teremos que aceitar certas barganhas intragáveis com nossos parceiros europeus rejeitados para manter acesso a um mercado de 500 milhões de consumidores.

Em abril, citando uma análise do governo, o ministro do Tesouro George Osborne disse que o RU seria "permanentemente mais pobre" se deixasse a UE, com um PIB 6% menor em 2030 do que se permanecesse no bloco. O presidente do Banco da Inglaterra Mark Carney alertou em maio que um voto pró-saída da UE levaria a economia a uma "recessão técnica".

O Brexit custaria aos britânicos a prosperidade que conseguimos após duros esforços desde a crise financeira global de 2008. Custaria às empresas internacionais a forte base que estabeleceram no RU quando buscarem comerciar com a UE. E traria custos ao comércio mundial, com o RU não fazendo parte de um bloco maior e mais atraente.

Uma saída do RU pode também desestabilizar a política europeia. A unidade que a UE promoveu e construiu no último meio-século pode entrar em colapso, em um efeito dominó deflagrado pelo Brexit. Pensemos seriamente no estímulo que isso representará para o sentimento anti-UE que fermenta em grupos separatistas de extrema direita, desde a Frente Nacional da França ao Partido da Liberdade na Áustria.

Corretamente, o RU se orgulha de atuar acima de seu peso na área internacional. Ocupamos no mundo um lugar invejável. Os defensores do Brexit não entendem ou não se preocupam com o fato de que o poder global do RU, que é substancial, é ampliado pela participação na UE.

Sem um assento na UE e o poder que isso acarreta, o RU provavelmente perderá seu assento na mesa principal nas discussões internacionais. E talvez certamente assim: seremos provavelmente governados pela mesma classe de oportunistas que iludiram o público ao longo desta campanha.

O RU gosta de se culpar. Os populistas a favor da saída da UE estão trabalhando para explorar essas inseguranças na campanha. Mas, se sairmos, o mundo perderia uma cabeça calma e confiável -- o verdadeiro "britanismo" com o qual os defensores do Brexit são obcecados. Minha experiência pessoal e o peso da opinião de especialista me convencem de que temos que votar pela permanência na UE. No dia 23 estarei ansioso na expectativa. E assim deve estar todo aquele que se preocupa profundamente com o lugar e o papel do RU no mundo.




quarta-feira, 22 de junho de 2016

Ainda o "inconformismo" da esquerda barulhenta com os rumos iniciais da cultura no governo Temer

Assim que Michel Temer anunciou a fusão do Ministério da Cultura com o da Educação, o mundo "cultural" brasileiro desabou sobre sua cabeça. Houve passeatas, ocupações de bens públicos federais vinculados ao ministério "extinto", e artistas de todos os quadrantes apressaram-se a repudiar o que chamaram de retrocesso e descaso com a cultura do país.

Aparentemente, tudo louvável, não houvesse um forte viés oportunista e egoísta nesse buchincho todo. Como disse Demétrio Magnoli,  o ruído maior veio da turma dos palcos: músicos, artistas, atores e atrizes. Parece até que a cultura se resume a só isso, nada mais. Cadê as vozes para defender nossas bibliotecas, nossos museus, nossos arquivos públicos, nosso folclore da esfera federal? Ou a turma dos palcos só olha para o próprio umbigo?

É sintomático que o auê todo tenha sido provocado pelo pessoal da cultura visível, a ostensiva, a que dá dinheiro para os artistas e ibope para o governo afastado. A cultura invisível não é problema nem preocupação de nenhum dos atores dos protestos e do governo afastado. Inúmeros -- a grande maioria -- dos artistas que apoiaram os protestos e ocupações, quer de maneira presencial  ou por declarações, são beneficiários de fartos recursos financeiros do governo via Lei Rouanet, o que os torna no mínimo justificadamente suspeitos de se manifestarem em causa própria.  [Ver: 1) Projetos culturais aprovados para captar recursos via Lei Rouanet -- alguém fiscaliza isso?! -- 2) Lei Rouanet x verbas para educação, ciências e pesquisa: adivinhem quem sai ganhando?]

A Biblioteca Nacional (Fundação Biblioteca Nacional) tem mais de 200 anos de história e possui um acervo de  9 milhões de itens -- por isso, é considerada pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) uma das principais bibliotecas nacionais do mundo. É a maior do gênero na América do Sul e está entre as 10 maiores do planeta.

Apesar de toda essa importância, a Biblioteca Nacional foi absolutamente abandonada e desprezada nos 13 anos de governos petistas. Os problemas de conservação se acumulam, pondo em risco seu acervo e prejudicando seu acesso pelo público. A instituição tem problemas crônicos de infraestrutura.

Obras raras da Biblioteca na zona portuária do Rio foram destruídas por mofo e até ratos.

Seu último presidente da era petista, Renato Lessa, substituído por Helena Severo no governo interino de Temer, relatou os problemas que encontrou na Biblioteca quando ali chegou há três anos, e afirmou que ela não é prioridade do Estado. E aí, cadê os barulhentos -- vários deles simplesmente arruaceiros -- defensores da "cultura", mas que não dão a mínima para a Biblioteca Nacional (BN)? O abandono da BN é um dos inúmeros desserviços e descasos da era petista com a nossa cultura.

O azar da BN, diante dessa galera, é que ela não vai às ruas, ela não gera shows musicais e peças teatrais -- ela não aparece ostensivamente e, assim, não dá ibope. Não dando ibope, é evidente que Lula e Dilma não lhe deram atenção, seria perda de tempo.

Essa esquerda barulhenta, e povoada de vândalos, não fiscaliza nada pra valer, o que ela quer é chamar a atenção e ser manchete. O site Contas Abertas, de cuja seriedade ninguém duvida porque trabalha com dados e informações do próprio governo, denunciou recentemente que metade das iniciativas da Cultura no PAC não saíram do papel e que apenas metade do orçamento da Cultura foi utilizada nos últimos 15 anos. E aí, cadê esse bando de moças e rapazes histéricos que adoram esganiçar protestos nas ruas e ocupar bens públicos (que frequentemente vandalizam)? O que essa curriola fez de útil e proveitoso para eliminar ou minimizar essas calamidades contra sua "amada" Cultura?! E os atores, atrizes, compositores, cantores e músicos, onde estavam? E os professores universitários esquerdistas, faziam e fizeram o quê quanto a isso?

Em 12 de janeiro de 2015, o Museu Nacional, a mais antiga instituição científica da "Pátria Educadora", fechou as portas por falta de recursos. Em nota pública, sua direção esclareceu[...] Naquela que deveria ser a “Pátria Educadora”, conforme promessa da Presidente Dilma Roussef em sua posse, a UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro] não tem recebido os recursos que lhe cabem, inclusive para pagamento das empresas que prestam serviços de limpeza e portaria ao Museu Nacional. Impotente diante do que parece ser uma total insensibilidade da chamada “política de austeridade” […] só nos resta [...] vir a público para solicitar o apoio da sociedade e buscar sensibilizar as autoridades governamentais". Alguém por acaso viu algum movimento ostensivo de defesa do Museu por parte dos tais "defensores da Cultura"? Xongas!

O descaso da esquerda com nossos museus é tão grande e evidente, que nem mesmo os descasos da oposição com esse tipo de instituição é denunciado e protestado. O Museu do Ipiranga, também chamado de Museu Paulista, é uma instituição estadual vinculada à Universidade de São Paulo (USP). O governo paulista deixou o museu atingir tal estado de deterioração, que ele teve de ser fechado para obras em 2014 e só deverá reabrir em 2022! Alguém viu algum grupo de camisetas vermelhas ir para a Avenida Paulista e interromper o trânsito para protestar contra isso? Lhufas. Detalhe: o estado de São Paulo é governado pelo PSDB há 20 anos.

O ex-ministro da Cultura do governo Dilma, Juca Ferreira, gosta de fazer suas  frases de efeito, não raramente com pitadas de hipocrisia. Quando de sua recente saída do MinC, ele disse: "Prefiro a aspereza da realidade à superfície aveludada da hipocrisia", aplaudido pela plateia que o assistia. Mas, ele deitou e rolou no veludo da hipocrisia. Ultimamente, passou a verbalizar mais suas críticas contundentes à Lei Rouanet, "esquecendo-se" de que teve 7,5 anos para alterá-la e nada fez (5,5 anos como secretário-executivo de Gilberto Gil no MinC e 2 anos como ministro). Excesso de papo e mínimo de ação.


terça-feira, 14 de junho de 2016

A confusa e distorcida polêmica do rombo da previdência

[Praticamente todo brasileiro adolescente ou adulto cresce e cresceu ouvindo profecias apocalípticas sobre o futuro do sistema previdenciário oficial no país. Há realmente um argumento de peso e assustador, que é o fato da população brasileira estar envelhecendo e, em futuro visível ou previsível, haverá mais gente drenando do que injetando recursos no sistema. Essa é uma realidade incontestável.

Na receita indigesta do futuro negro das aposentadorias há, no entanto, ingredientes desnecessários ou fictícios que só fazem azedar ainda mais o resultado. Há um cheiro forte de tramoia no ar, carrega-se nas tintas para surrupiar dados importantes e esclarecedores para o cidadão que custeia isso tudo. Por isso, reproduzo a opinião de Cláudio Damasceno ("Causas do buraco") publicada em O Globo. O autor tem conhecimento de causa e sua argumentação é séria; ele é presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco Nacional). Foi o melhor texto que já li sobre o assunto até agora. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

Causas do buraco

Cláudio Damasceno -- O Globo, 06/6/2016

Seminário realizado recentemente pela Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Privada (Abrapp) trouxe uma pesquisa com resultados estarrecedores. Um deles: 94% dos brasileiros não têm a menor noção de onde vem o dinheiro para pagar as aposentadorias. Mas antes de o governo Temer pretender reformar a seguridade social, é preciso desfazer a armadilha — alicerçada na desinformação — em que caímos.

A aceleração da crise começou com a concepção do atual modelo de pagamento e arrecadação, previsto na Constituição de 1988. Ainda que quase 30 anos atrás não se calculasse que a expectativa de vida no Brasil aumentaria, já ali deixamos de tomar medidas para a Previdência Social tornar-se sustentável.


Uma das causas de déficit são os 20% da Desvinculação de Receitas da União subtraídos da Previdência. A situação só piora quando se sabe que a arrecadação para os pagamentos do INSS é aplicada em outros setores do governo — quando é de fato aplicada, porque se incluirmos a gatunagem nessa conta o buraco se aprofunda.


A inclusão dos trabalhadores rurais no rol de beneficiários é outro fator de aperto nas contas. Tal despesa não é Previdência, mas Assistência Social. Apesar de ser uma questão de respeito àqueles que passam toda a vida no campo — muitos sem acesso aos básicos direitos —, a concessão do benefício aumenta o gasto e contribui para o discurso do déficit. Como esses trabalhadores jamais contribuíram com o INSS, a balança se desequilibra. O prato da previdência urbana fica “mais leve”, mesmo superavitário.


O governo é pródigo em invenções. E o de Dilma Rousseff teve uma ideia formidável para promover o consumo, “esverdear” as contas públicas e distribuir alegrias: a desoneração. Tentou-se criar virtude via ingenuidade monetária. Acreditou-se que ao favorecer empregadores, dispararia a contratação de trabalhadores, que consumiriam, e cujo resultado é a arrecadação de impostos resultante da compra de bens e serviços. Mas as desonerações impactaram a seguridade e turbinaram o rombo nas contas, cujo “cálculo honesto” dá R$ 170,5 bilhões.


O governo formou comissão para elaborar a reforma da Previdência. Mas não estaria na pauta o ataque às causas que tornam eternamente insuficientes os recursos da seguridade. Se entre as medidas corretivas não estiverem o combate à má gestão, à concessão de benefícios fiscais incabíveis e ao desvio de finalidade, tudo será provisório. Podem elevar para 65 a idade mínima de aposentadoria para homens e mulheres que em duas décadas a rediscutiremos. Uma nova ilusão induzida pela desinformação.


Para ter sucesso, a reforma da Previdência deve resumir os recursos arrecadados à finalidade essencial — a seguridade social.


[Como visto acima, há argumentos importantes para explicar o déficit previdenciário que nos são sonegados nas discussões oficiais sobre o tema. A aposentadoria do trabalhador rural é um deles. A concessão desse direito, como foi feita, tipifica para mim mais uma infração à Lei de Responsabilidade Fiscal: criou-se uma despesa sem a contrapartida da receita correspondente, já que o trabalhador rural não tem histórico de contribuição previdenciária. Em 2000 (governo FHC) foi definido que o trabalhador rural poderia se aposentar sem ter contribuído -- é de FHC, portanto, a responsabilidade inicial por essa insanidade. O estranho é que a Lei de Responsabilidade Fiscal foi criada por ele exatamente no ano 2000.


O rombo gerado pela aposentadoria rural é impressionante. Artigo interessante e informativo de Ludmila Pizarro ("Déficit da Previdência Social vem de benefícios rurais") de 15/5/2015 afirma: 


'A preocupação do governo com o aumento dos gastos diante da aprovação da proposta de flexibilização do fator previdenciário no Congresso Nacional pode ser desnecessária. Para o advogado Thiago Gonçalves de Araújo, sócio do escritório de advocacia Roberto Carvalho Santos e membro do Instituto de Estudos Previdenciários, o déficit da Previdência Social hoje tem outra origem: pagamento de aposentadorias rurais para cidadãos que não contribuíram para a Previdência. “Não vejo esse impacto que diz o governo, porque o déficit vem de benefícios rurais. A Previdência urbana é superavitária. Nos anos 90, houve esta iniciativa de pagar o benefício para trabalhadores rurais que não contribuíram. Foi uma decisão de cunho social, está certo, mas gerou o déficit”, diz Araújo. Em 2014, o déficit da Previdência foi de R$ 58 bilhões, sendo que no meio urbano o superávit previdenciário foi de R$ 25,88 bilhões e o déficit rural chegou a quase R$ 84 bilhões (o destaque é meu). A diferença é paga pelo Tesouro Nacional'.


Mais uma caridade demagógica e irresponsável (digo eu). Não que o trabalhador rural não mereça aposentar-se com um mínimo de decência, mas é indispensável um mínimo de honestidade orçamentária para criar e financiar esse benefício. 


Há um outro fator a considerar, que embora possa não ser significativo em números é gigantesco em termos de indecência: a aposentadoria dos parlamentares. Já no índice de correção da aposentadoria parlamentar há uma imoralidade. O Ministério da Previdência Social calcula a correção das aposentadorias do INSS com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O reajuste dos deputados aposentados pela Câmara acompanha o índice de aumento dos subsídios pagos aos parlamentares na ativa, fixado, aliás, pelos próprios parlamentares. Um absurdo!

De 1999 a 2015, o agora extinto IPC - Instituto de Previdência dos Congressistas (foi substituído pelo Plano de Seguridade Social dos Congressistas) consumiu a bagatela de R$ 2 bilhões! Neste mesmo link, veja a lista de deputados aposentados e os valores de suas gordas aposentadorias.]




sábado, 11 de junho de 2016

Estão enfiando besteiras e bestices nas cabeças de nossos filhos

[O plano de domínio do país pela esquerda, sob a liderança do PT, é muito mais abrangente e profundo do que se pode imaginar e vai além das "falhas" que o PT reconheceu e apontou em sua Resolução de 17 de maio passado. O artigo a seguir, de Fernando Schüler, publicado em 29 de fevereiro deste ano na revista Época é assustador e extremamente preocupante. O que se está ensinando em nossas escolas é uma visão unilateral e distorcida de nossa história, na tentativa de forjar do berço uma juventude de esquerda no país. É preciso estar muito atento a mais essa investida da esquerda, que tenta fazer uma lavagem cerebral em nossos jovens. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

É ético usar a sala de aula pra "fazer a cabeça" de nossos alunos?

Fernando Schüler (*) -- Época, 29/02/2016

A depender dos livros didáticos nacionais, os jovens terão uma visão rudimentar de um mundo dividido entre capitalistas malvados versus heróis da resistência

As aulas voltaram, por essas semanas, e decidi tirar a limpo uma velha questão: há ou não doutrinação ideológica em nossos livros didáticos? Pra responder à pergunta, fui direto na fonte: analisei alguns dos livros de história e sociologia mais adotados no país. Pesquisei nas editoras, encontrei uma livraria que dispunha de todos os exemplares e pus mãos à obra. Já li muita coisa na vida, mas não foram fáceis as horas que passei tentando entender o que se dizia em todos aqueles livros. No fim, acho que entendi.

O resultado é o seguinte: dos dez livros que analisei, 100% tem um claro viés ideológico. Não encontrei, infelizmente, nenhum livro “pluralista” ou particularmente cuidadoso ao tratar de temas de natureza política ou econômica. Talvez livros assim existam, e gostaria muito de conhecê-los. Falo apenas dos que me chegaram às mãos. Tudo livro “manco”. E sempre para o mesmo lado.

Com um adendo: vale o mesmo para escolas públicas e privadas. Imagino não serem poucos os sujeitos que jantam à noite, com os amigos, e reclamam do viés “anticapitalista” da sociedade brasileira. Sem desconfiar que anticapitalista mesmo é o discurso que seu filho adolescente vai engolir na manhã seguinte, sem chance de reação, no colégio.

O viés politico surge no recorte dos fatos, na seleção das imagens, nas indicações de leitura, na recomendação de filmes e links culturais. A coisa toda opera à moda Star Wars: o lado negro da força é a “globalização neoliberal” e coisas afins; o lado bom é a “resistência” do Fórum Social Mundial, de Porto Alegre, e dos “movimentos sociais”, MST à frente. Tudo parece rudimentar demais para ser verdade. Mas está lá, nos livros em que nossos adolescentes estudarão.

No Brasil contemporâneo, chega a ser engraçado. FHC é Darth Wader; Lula é Luke Skywalker. Pra ser sincero, a saga de George Lucas me parece bem mais sofisticada do que o roteiro seguido pelos nossos livros didáticos. Em particular, quando tratam de nossa história recente.

No livro Estudos de História, da Editora FTD, por exemplo, nossos alunos adolescentes aprenderão o seguinte sobre o governo de Fernando Henrique: era neoliberal (apesar de “tentar negar”) e seguiu a cartilha de Collor de Melo; os “resultados dessas políticas foram desastrosos”. Na sua época, havia “denúncias de escândalos, subornos, favorecimentos e corrupção” por todos os lados, mas “pouca coisa se investigou”. [O que me espanta aqui é que a Editora FTD (iniciais de Frère Théophane Durand, Superior Geral da Congregação Marista de 1883 a 1907) é editora dos Irmãos Maristas no Brasil.]

Nossos alunos saberão que “as privatizações produziram desemprego”, e que o país assistia, naqueles tempos, ao aumento da violência urbana e da concentração de renda e à “diminuição dos investimentos”. E que, de quebra, o MST pressionava pela reforma agrária, “sem sucesso”.

Na página seguinte, vem a luz. Ilustrado com o decalco vermelho da campanha “Lula Rede Brasil Popular”, o texto ensina que, em 2002, “pela primeira vez” na história brasileira, alguém que “não era da elite” é eleito presidente. E que, graças à “política social do governo Lula”, 20 milhões de pessoas saíram da miséria. Isso tudo faz a economia crescer e, como resultado: “telefones celulares, eletrodomésticos sofisticados e computadores passaram a fazer parte do cotidiano de milhões de pessoas, que antes estavam à margem desse perfil de consumo”.

Lendo isto, me perguntei se João Santana, o marqueteiro do PT, por ora preso em Curitiba, escreveria coisa melhor, caso decidisse publicar um livro didático. E fui em frente.

Na leitura seguinte, do livro História Geral e do Brasil, da Editora Spicione, o quadro era o mesmo. O PSDB é um partido “supostamente ético e ideológico” e os anos de Fernando Henrique são o cão da peste. Foram tempos de desemprego crescente, de “compromissos com as finanças internacionais”, em que “o crime organizado expandiu-se em torno do tráfico de drogas, convertendo-se em verdadeiro poder paralelo nas favelas”. E mesmo “dentro das prisões”, transformadas em “centros de gerenciamento do tráfico e do crime organizado”, acrescentam os autores.


Com o Governo Lula, tudo muda, ainda que com alguns senões. Numa curiosa aula de economia, os autores tentam explicar por que a “expansão econômica” foi “limitada”, naqueles anos: a adoção de uma “politica amigável aos interesses estrangeiros, simbolizada pela liberdade ao capital especulativo”; pela “manutenção, até 2005, dos acordos com o FMI” e dos “pagamentos da dívida externa”.
O livro termina apresentando a tensão entre o Brasil “pessimista”, dos anos FH, com os anos “otimistas” do lulismo, e conclui com um prognóstico: “as boas notícias nos últimos anos indicavam que talvez os anos do pessimismo a toda prova já tenham passado e, nesse caso, pode ser o momento do não negativo como um novo paradigma para o Brasil”.

O livro História conecte, da Editora Saraiva, segue o mesmo roteiro. O governo FHC é “neoliberal”. Privatizou “a maioria das empresas estatais” e os U$ 30 bilhões arrecadados “não foram investidos em saúde e educação, mas em lucros aos investidores e especuladores, com altas taxas de juros”. A frase mais curiosa vem no final: em seu segundo mandato, FH não fez “nenhuma reforma”, nem tomou “nenhuma medida importante”. Imaginei o presidente deitado em uma rede, no quarto andar do Palácio do Planalto, enquanto o país aprovava a Lei de Responsabilidade Fiscal (2000), o fator previdenciário (1999) ou o bolsa escola (2001).

FHC manteve o país “alinhado” e “basicamente dependente dos EUA”, enquanto Lula aumentou as relações diplomáticas e comerciais com a “União Europeia e vários países africanos, asiáticos e sul-americanos”. FH havia beneficiado os especuladores; Lula beneficiou os “trabalhadores” e as “camadas mais pobres”. De quebra, “apoiou as indústrias de exportação” e “incentivou muitas empresas a se internacionalizarem”. Lendo isso, tive ganas de sair pelas ruas, com uma bandeira vermelha. Mas me contive.

O padrão “João Santana” se repete no livro História para o ensino médio, da Atual Editora. É curioso o tratamento dado ao caso do “mensalão”.  Alguma menção ao julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal? Não. Nossos alunos saberão apenas que houve “denúncias de corrupção” contra o governo Lula, incluindo-se um caso conhecido como mensalão, “amplamente explorado pela imprensa liberal de oposição ao petismo”.

No livro da Atual Editora, é interessante perceber o tratamento dado à América Latina. A tensão política surge, como de regra, a partir da clivagem “contra ou a favor do neoliberalismo”. Nossos alunos serão instruídos sobre a resistência oferecida “à globalização capitalista neoliberal” pelo Fórum Social Mundial, de Porto Alegre, e poderão saborear, sob o rótulo de “fonte histórica”, um trecho do “manifesto de Porto Alegre”.  

Sobre o Mercosul, nossos alunos aprenderão que o Paraguai foi excluído do bloco em 2012, em função do “golpe de Estado” que tirou do poder o presidente Fernando Lugo. Saberão que, com a eleição de Hugo Chávez, a Venezuela torna-se o “centro de contestação à política de globalização capitalista liderada pelos Estados Unidos”. Que “a classe média e as elites conservadoras” não aceitaram as transformações produzidas pelo chavismo, mas que, mesmo assim, o comandante “conseguiu se consolidar”. Sobre a situação econômica da Venezuela, alguma informação? Alguma opinião crítica para dar uma equilibrada no jogo e permitir que os alunos formem uma opinião? Nada, por óbvio.

Interessante é o tratamento dado às ditaduras na América Latina. Para os casos da Argentina, Uruguai e Chile, um capítulo (merecido) mostrando, no detalhe, os horrores do autoritarismo e seus heróis: extratos de As veias abertas da América Latina, de Eduardo Galeano; as mães da Praça de Maio, na Argentina; o músico Victor Jara, executado pelo regime de Pinochet, e uma sequência de indicações de filmes sobre a “resistência” e a luta pelos direitos humanos, no continente. Tudo perfeito.

Quando, porém, se trata de Cuba, a algumas páginas de distância, a conversa é inteiramente diferente. A única ditadura que aparece é a de Fulgêncio Batista. Em vez de filmes como Antes do anoitecer, sobre a repressão cubana ao escritor e homossexual Reynaldo Arenas, nossos estudantes são orientados a assistir Diários de motocicletaChe, e Personal Che.
Não deixa de ser engraçado. Quando fala da Argentina, o livro sugere uma “Visita ao patrimônio” no “Parque da Memória”, uma (justa) homenagem às vitimas do terrorismo de Estado, em Buenos Aires. Quando trata de Cuba, a “visita ao patrimônio” sugerida pelos nossos isentos autores é ao “Museu da Revolução”, com especial recomendação para observar o “pequeno iate” em que Fidel e Che aportaram para a gloriosa revolução. E, imperdível: uma salinha, o  rincón de los cretinos, feita para ridicularizar tipos como Batista, Reagan e Bush.

As restrições do castrismo à “liberdade de pensamento” surgem como “contradições” da revolução. Alguma palavra sobre os balseros cubanos? São milhares, neste mais de meio século. Alguma fotografia, sugestão de filme ou “link cultural”? Alguma coisa sobre o paredón cubano? Há fotos muito boas sobre estes temas, mas nenhuma aparece em livro nenhum.

Alguma coisa sobre Oswaldo Payá, Orlando Zapata, Yoani Sánchez e a luta pelos direitos humanos na Ilha? Alguma coisa sobre as “Damas de Blanco”? Zero. Nossos estudantes não saberão nada sobre isto. Não terão essa informação para que possam produzir seu próprio juízo. É precisamente isso que se chama ideologização.

A doutrinação torna-se ainda mais aguda quando passamos dos livros de história para os manuais de sociologia. Em plena era das sociedades de rede, da revolução maker, da explosão dos coworkingse da economia colaborativa, nossos jovens aprendem uma rudimentar visão binária de mundo, feita de capitalistas malvados x heróis da “resistência”. Em vez de encarar de frente o século XXI e suas incríveis perspectivas, são conduzidos de volta a Manchester do século XIX.

Não acho que superar esse problema seja uma tarefa trivial. A leitura desses livros me fez perceber que há um “mercado” de produtores em série de livros didáticos muito bem estabelecido no país, agindo sob a inércia de nossas editoras e a passividade de pais, professores, diretores de escolas e autoridades de educação. Pessoas comprometidas com uma visão política de mundo e dispostas a subordinar o ensino das ciências humanas a essa visão. Sob o argumento malandro de que “tudo é ideologia”, elas prejudicam o desenvolvimento do espírito crítico de nossos alunos. E com isso fazem muito mal à educação brasileira.

(*) Fernando L. Schüler é Doutor em Filosofia (UFRGS) e Professor do Insper. É titular da Cátedra Insper Palavra Aberta e curador do Projeto Fronteiras do Pensamento.